08 setembro 2013

Conto de fadas às avessas

Vindo de família Irlandesa era previsível que você ainda estivesse morando na mesma casa de quando nos conhecemos na adolescência. Eu só não imaginava que depois de tanto tempo, você ainda seria o protagonista dos meus melhores pensamentos. E muito menos, que seria tão assíduo na minha memória. Você sabe, Dex, sempre fui um pouco memorável. Na prateleira do escritório guardo mil caixas e mil lembranças de tudo. E de todos. E em uma das arrumações, andei mexendo nas lembranças da juventude. Revirei cartas, chaveiros, fotos. E lá no fundo, escondida no emaranhado de papéis, eu te reencontrei. Nossa única foto. E nossa única lembrança. E eu me lembrei, naquele momento, que foi você que me entregou aquela foto, juntamente com o último abraço que nós compartilhamos. E agora eu entendo porque. Com sua caligrafia já um pouco borrada, uma letra meio rabiscada, e uma tinta já um pouco falha, eu consegui decifrar o seu "bilhete" no verso da foto: "Procure-me. Seja o ano que for, estou morrendo de saudades."
Decerto seu telefone não era mais o mesmo. Mas eu ainda tinha um trunfo nas mãos. Uma visita seria demais para o meu coração acelerado. Seria um excesso de emoções e talvez uma surpresa te deixasse um pouco chateado: você sempre detestou surpresas. E chegou a minha hora de levar isso à risca.

"Dex. (Será que ainda te chamam assim?) Estamos em 2013 e, pois é, também estou morrendo de saudades. Faz muito tempo desde a última vez. Com um diploma na mão e uma foto no bolso, a gente seguiu os nossos caminhos de modo que até hoje eles nunca se cruzaram. As linhas seguiram tão retas que nem se tocaram. Um dia alguém me falou que amor não tem data de validade. E realmente não tem, Dex. Não adianta sentar e esperar esse vilão virar mocinho. Você vai se apaixonar todos os dias por olhares diferentes, vai querer ser o novo amor de todos aqueles belos sorrisos. Você vai dobrar a esquina e vai avistar o mais belo dos rapazes ou a mais bela das moças. E vai se apaixonar mais uma vez. Mas então você vai chegar em casa, vai se jogar no sofá e como quem não tem mais nada pra fazer na vida, você vai lembrar que amor a gente tem um só, pra toda a vida. E vai perceber que, realmente, amor não possui data de validade. Você não vai lembrar dos olhares que recebeu, dos sorrisos que ganhou, nem do rapaz ou da moça que avistou. Dex, todo mundo tem um amor pra recordar. Seja ruim como for, ou maravilhoso como um conto de fadas, é esse amor que você não esquecerá. E poderá passar anos. Você irá casar, ter filhos, mas quando revirar as caixas velhas e abrir seus diários e cadernetas, você vai suspirar e inconscientemente vai imaginar como teria sido se tudo tivesse dado certo. Você é o meu amor pra recordar, Dex. E é por isso que eu posso te afirmar que não foi a foto já antiga, nem a sua letra rabiscada que me fez perceber isso. No instante em que nossos olhares deixarem de se cruzar eu percebi que eu nunca esqueceria de como meu coração acelerava ao te ver. Saudades, Dex. Ainda estamos ligados."

"Donna, estamos em 2013 e você não imagina o quanto que eu esperei por esse ano. Nossas vidas tão opostas e ao mesmo tempo tão interligadas, me fazem ver que existem elos que nem mesmo a distância e o tempo são capazes de destruir. E esse elo se chama amor. Nossa história tinha tudo pra começar com "Era uma vez" e terminar com "felizes para sempre". Mas nem só de contos de fadas vive um homem. Você sempre me dizia isso. E eu nunca esqueci. Mas olha que peça o destino me pregou, Donna: hoje eu sou um escritor best-seller de romances impossíveis. Fiz da nossa história nada romântica um desejo de poder reconstruí-la. O desejo de te reencontrar era tão grande que decidi antecipar e criei contos e versões de como seria. Não publiquei nenhum. Você sempre revisava os meus textos e poemas, e jogar no mundo a nossa história sem passar por seus olhares seria uma audácia com os contos de fadas da vida real. Não se faz um história de amor sozinho, Donna, e é por isso, é por você ser tão protagonista como eu, que eu não pude seguir a minha história até hoje. Eu achei impossível escrever o meu destino sem você ao meu lado. Sempre faltou algo. Sempre sobrou uma cadeira ao meu lado. Ou um grande espaço na cama. Sempre faltou você, Donna. E eu não sei como foi a sua história de amor até agora, mas a minha parece começar. Onde quer que esteja, estarei lembrando de você. Obrigada por ser minha inspiração durante todos esses anos. Saudades, Donna. Ainda estamos ligados."

Dani Fechine