28 dezembro 2014

Maria Helena


Helena. Sempre achou que esse nome fosse escandalosamente forte. Registraria assim a sua filha se esse não fosse já o seu registro. Nome de mulher que luta. Batalha. Nome de mulher que chora, mas não se destroça. Helena é nome de mulher, não de menina. Pedra por fora, estranhamente delicada por dentro. Esse nome é digno de fortaleza. De compreensão. De força. Helena é nome de mulher guerreira, serena, que não se abala (facilmente). Mas Helena, em nome, em letras, grafada em papel, é apenas a casca de Maria. Maria Helena.

Por dentro, Helena é outra. Helena é Maria. Maria que luta todos os dias, Maria que acorda cedo, que trabalha, que tem filhos, que é casada, que tem casa, que ama, que sofre. Mas que vive. E não é menos forte por ser mulher. Não é menos forte por ser mãe. Não é menos forte do que ninguém. Mas Maria chora. Maria sofre. Maria se entristece. Maria se enclausura no seu próprio mundo, porque todo mundo precisa de um pouco de solidão na vida. Maria tenta viver a Helena que queria ser, mas foi com a grande Maria que a vida lhe presenteou.

Maria pensa. Maria reflete. Maria conversa. Meticulosamente centrada nas suas próprias decisões. São centenas com o seu nome, mas Maria é Helena. Maria é única.  Nos seus trejeitos, na sua peculiaridade de ser Maria, de ser mulher, de ser Helena, ela é especial. É uma, no meio de tantas cópias projetadas para fazer o mundo girar no sentido correto da rotação. Maria vai contra. Prefere acompanhar a translação. Prefere viver ao contrário. Prefere nadar contra a corrente, porque se não for difícil, ela diz, “não há reconhecimento, nem mesmo o meu”. Tudo, até as nossas próprias conquistas, só são devidamente reconhecidas se o esforço for proporcional à vitória. Maria sabia disso. E preferia lutar.

Mas era frágil. Frágil no sentido de amar. Amava como ninguém. Era capaz de amar o inimigo. Maria como Helena não se encontra facilmente. De pulso forte e de um coração que transborda compaixão, solidariedade, honestidade e paixão pelas pessoas. Esperança pela humanidade. Fé numa vida que não é a melhor que poderia ter, mas é a melhor que consegue. E não se preocupa com isso. É feliz. Helena como Maria é mais batalhadora que muita gente. É brasileira. E só para por carinho.

Helena também é Maria. E é incrivelmente inteira, não se faz nunca em pedaços, não se desmancha no ar. Busca em livros o resgate da monotonia, o aprendizado que não lhe foi suficiente e a coragem para repassar cada ensinamento aos seus filhos. Maria escreve. Mas escreve poesias. É na rima de cada verso que se faz realizada. Parece que não, mas Maria pode sempre te surpreender. Seus cadernos cheiram às rosas do seu jardim, roseiras vermelhas e cor de rosa, porque é lá que encontra inspiração. Puxa um banquinho, senta ao lado e escreve com o grafite que se faz suficiente. Às vezes cruza as pernas e é no chão mesmo que sente a natureza se fazendo em palavras. Maria é poesia. Helena é poema.

Assim, como numa canção de Chico Buarque, como na voz de Caetano ou de Gil, temos Maria Helena. Que cantarola esses mestres durante todo o dia, porque, felizmente, foi na poesia que se criou. Ela se criou. Não deixa de ser Maria porque é Helena, mas passa a ser Maria Helena quando é de fortaleza que estão falando. Ela é o pilar da própria vida. 

Dani Fechine

26 novembro 2014

Clara



Na multidão silenciava, na introspecção se divertia. Clara era aquela que ninguém conhecia, mas que carregava consigo um amor inabitado. De livro nas mãos andava pelas suas e onde parava abria na página em que terminara na última vez. Não perdia a progressão. Tinha uma memória larga e um pensamento vasto. Nos momentos de intervalo de uma leitura a outra, Clara imaginava o que poderia vir nos próximos capítulos. Criava os seus próprios personagens para que fossem logo quebrados nas linhas seguintes. 

Sobre ela? Ah, Clara era personagem do seu próprio mundo desconhecido. Amara em silêncio aquele que já a amou em voz alta. Era impedida por ela mesma de voltar atrás. O orgulho sempre foi maior que o seu coração. Esse é um defeito seu que ainda não aprendeu a superar. Nem suas leituras diárias e repletas de vidas interligadas e entrepostas na sua foram capazes de mudar um pouco o individualismo vaidoso que carregou 22 anos da sua vida. 

Clara amava como ninguém. Era da moda antiga. E infinitamente capaz de entregar-se ao sentimento. Mas não ao homem a quem deveria receber esse amor. Clara era dela e somente dela. Vivia habitada no seu mundo meio cinzento e espalhava o seu amor aos quatros cantos. Do quarto. Perdeu a crença nas pessoas. Tanta leitura, tanta imaginação. O seu mundo pessoal e introspectivo parecia mais interessante do que a gritaria lá de fora. Não deixou de recriá-las. Ouvia Chico Buarque no banho, mas pela melodia, pela poesia. A melosidade nunca lhe agradou. Era feita de espinhos internos onde a subjetiva entrava rasgando tudo. 

Escrevia. Mas escrevia para si. Não era sua intenção explodir o mundo inteiro com palavras que nunca foram ditas. Nunca quis ocupar as pessoas com seus questionamentos e suas teses infantis, mas racionais. Se tinha uma coisa que Clara tinha certeza é que ela sabia. Sabia do que sentia. E sentia exatamente o que sabia. Seus apontamentos nunca desviaram a linha da verdade. Como toda mulher, Clara sabia. E vivia muitas vidas por isso, no sentido de escrever várias delas. Criava. E com isso se recriava.

Clara era amor em palavras. Mas rancor em sentimentos próprios. Era mágoa. Lembranças. Marcas de histórias remendadas e mal acabadas. Clara era uma vida não vivida. Era composta por amores inesquecíveis. E dos que podia esquecer fazia questão de lembrar. Suas caixas sempre foram seus tesouros martirizados. Vez ou outra tirava do esconderijo o que os olhos não alcançavam. Só o coração era capaz de atingir.

Clara era isso tudo e não era nada. Mas tinha amor. Embora guardado. Embora contido. Embora só seu. Era amor. E era disso que se alimentava. As vezes espalhava em palavras. As vezes em verbos mal posicionados. Mas era amor. E habitava nela de alguma forma. Clara ninguém viu, ninguém sabe, ninguém cogita traduzi-la. Ela é amor e nem disso sabe. Clara é oca para o mundo. Mas transborda para si mesma. 

Dani Fechine

31 outubro 2014

Diário de uma neta



Poderia se chamar “diário de uma jornalista” ou “diário de uma catadora de história”, afinal, foi exercendo o melhor lado da minha profissão que eu vi a vida por outro ângulo. Esse relato não é sobre uma manhã ao lado de crianças com câncer. É sobre a presença da minha avó em todo esse percurso, mesmo que de longe, mesmo que tão longe. Eu vou escrever sobre sentimento e do quanto dói, às vezes, sentir muito.

Cheguei com espírito de jornalista. Eu me fiz forte, rígida, serena. Cheguei a falar:

"Acho que nesse momento não seria tão difícil visitar essas crianças."

Até o momento da saída realmente não foi. Em casa, a ficha caiu.

A garotinha fragilizada não sai da minha mente. Ela, que quase sem forças, acenou com a mão na esperança de conseguir soltar um beijo, ficar de pé, brincar, correr, abraçar. A menina que lentamente piscava os olhos, expressava em seus gestos falhos uma tentativa de registrar uma passagem rápida de três jovens completamente despedaçadas por dentro, mas sorridentes e confiantes por fora. “Tudo vai dar certo”, eu imaginava enquanto fechava a porta do quarto para visitar outra paciente. Espero, ansiosamente, notícias daquela que me fez chorar por dentro – depois em lágrimas – mas que me mostrou que a luta deve sempre superar a dor. Que a esperança deve sempre superar a derrota. Que o amor deve, obrigatoriamente, superar a tristeza.

A mãe emocionada não me deixa parar a cabeça. O filho se encontrava em sua última sessão de quimioterapia. Tratado, recuperado e agora completamente feliz, saudável, procurando a nova fortaleza. O garoto de pele alva e corpo rechonchudo já queria brincadeiras. A mãe, aliviada pelo fim da batalha, só desejava chorar. Chorar e agradecer. Ele chegou ao hospital lamentando, querendo voltar pra casa. Hoje, enfim, ele retorna sorrindo.

A porta que fez meu mundo desabar – e está aqui o motivo do título – era enfeitada por uma plaquinha com o seguinte dizer: Dr. Dalva. Depois de andar o hospital por todos os corredores em busca da minha personagem encantada, encontrei-a no lugar menos provável. Comecei na pediatria e terminei na porta da médica que tratou a minha avó (nunca havia visitado o local). Encostei-me na parede, respirei fundo e pensei comigo mesma:

“Não pode ser”.

Os olhos lacrimejaram. A garganta fechou. Uma única imagem sobrevoava minha mente. E um único desejo pulsava em mim: sair o mais rápido possível daquela porta. Parece pequeno. Parece uma lembrança inútil. Mas sabe o que é? A saudade dói. E perfura o mais duro coração. Desde o momento, tudo que eu queria era chegar em casa e contar à minha avó como havia sido minha ida ao hospital em que ela tanto falava, agradecia e adorava, embora as lembranças não fossem das melhores. Queria entrar correndo pelo portão e contar a história de cada criança que vi e ouvi. Falar do pianista e dos seus causos incríveis. Dizer o quanto eu queria ajudar aquelas pessoas e o quanto eu sou fraca diante das fragilidades. Mas aí, num passe de mágica, a ficha resolve cair: vovó não está aqui.

Ela se orgulharia de mim pelo projeto tão humano que venho fazendo com minha amiga (ou irmã). Iria querer ler cada história, cada fala, ver todas as fotos e dizer o quanto isso é bonito e leve e gratificante e generoso. Ninguém é menos importante por ouvir ou não as minhas experiências. Mas essa... Essa em especial deveria ser dedicada à minha avó. E o que vier por aí terá todo meu coração entregue à história e a ela.

Infelizmente não vai dar pra contar a experiência mais leve e bela da minha vida. Mas deu – e isso foi feito com maestria – pra colocar todo meu coração, pra sentir saudade, pra sentir amor, sentir carinho, compaixão. E senti tudo isso com exagero. Senti muito. Saí outra pessoa do hospital de combate ao câncer. E entro em casa ansiosa, mas ciente de que a minha saudade não acaba aqui. Minha saudade começa quando as lembranças terminam. A ficha cai. As lágrimas também.

Dani Fechine

08 outubro 2014

Hoje seriam 73



Hoje seriam 73. 73 anos de uma beleza graciosa. De uma generosidade infinda. De uma paciência incomparável. De um amor que se multiplicava. De uma paz que fazia reinar. De um chamego que trazia bem querer. De um carinho com jeito de quero mais. De uma mulher com garra, com força e com luta nas veias. Hoje seriam 73 anos de uma senhora que carregou consigo, a vida inteira, o amor, a alegria e o poder de união que talvez nem ela mesma soubesse que possuía. 

Hoje é 8 de outubro e assim como o dia 14, é um momento de lembrança ainda maior. É um dia composto pela ausência e pela recordação. Marcado pelo que já não mais se faz, pelo que já não mais se ver, pelo que não mais se toca, não mais se esbarra, não mais se tem. Mas um dia emocionalmente marcado pelo sentimento: hoje se sente mais que ontem, a saudade abraça mais forte e vem devagarzinho, rasteira, até que gruda no nosso coração. Dias como hoje a gente não necessariamente chora, mas a gente lembra. Sorri com as tantas memórias, mas também se entristece por serem tão boas. 

Saudade é um bicho contraditório. Ela vem por um bom motivo: o amor. E ela fica, atormenta e machuca pela mesma razão. A parte boa e ruim da nostalgia, das memórias, das lembranças e da saudade são frutos de uma mesma flor: o amor. É por isso que não ligo, não me importo, não reclamo. Não bato o pé por sentir saudade. É amor guardado, amor contido, amor nostálgico. Amor que poderia ser mais e por algum motivo foi menos. Amor que poderia se expor e por algum motivo se guardou. Amor que me encheu de orgulho a vida inteira, mas que por algum motivo se conteve. 

Hoje seriam 73, minha vó. E nesse dia marcado pela ausência da rotina, eu te escreveria um cartão bonito, ou até um cartaz colado na porta no teu quarto. Mainha te compraria um presente e nós te daríamos com o maior orgulho do mundo, sabendo de início o quão difícil é/era fazer a senhora gostar de qualquer que fosse. Não importava o pacote, o laço bonito de fita, o cartão com a minha melhor letra. Era o abraço de bom dia que eu queria te dar, era o “obrigada, obrigada, obrigada” que eu gostaria de ouvir, era a tua voz que eu queria ter presente. 

Infelizmente, nós não temos as pessoas para sempre. Infelizmente, as pessoas não vivem para sempre. E também não escolhem o dia que se vão. Não escolhem também se já querem ir, se mais alguns dias é preciso, se ficar seria o mais apropriado. A gente não escolhe quem quer ter pra sempre. Exceto no coração. Eu escolhi levar a minha avó para onde eu for. Eu escolhi torná-la presente em qualquer parte da minha vida, da minha história. Escrevendo eu consigo eternizá-la. Escrevendo eu consigo trazê-la de volta. É escrevendo que eu a sinto cada vez mais perto. Escrever a torna presente. 

Em mais ou menos um mês serão 20. Os meus 20. E, mais uma vez, não serão os mesmos. Não a terei aqui novamente. Não sentirei a data tão importante como eram antes dos 18. A graça se dissipou. A saudade de cada cheiro, voz e toque tomou lugar cativo. Hoje seriam 73. 73 primaveras. 73 carnavais. 73 anos da Fechine mais incrível. E ao invés de 73, hoje temos quase 2 anos. O tempo passa. Os anos correm. E as lembranças parecem rastejar. A saudade cresce. E o amor não muda  e não acaba nunca. 

Dani Fechine

25 setembro 2014

Novo lar



Entrei devagar sem a pretensão de mostrar que ali eu estava. Não queria fazer tumulto, não queria que minha presença fosse notada, muito menos que o estrago fosse grande. Eu entrei ainda de cabeça baixa, mas sempre olhando um pouco pra frente, tentando enxergar se o futuro tinha algo a me dizer. Não, ele não tinha. Me mandava seguir sem pensar muito nele.

Quando cheguei não quis ser feliz de imediato. Nem procurei paz, amor e carinho no primeiro olhar. Quis conhecer a nova casa, o novo lar. Aproveitar o cômodo novo para me fazer nova também. Quis me aconchegar um pouco na poltrona velha, mas confortável. Eu fui entrando de fininho, sem chinelos, de ponta de pé. Sem samba nem rock. Fui sem música e sem melodia pra não atrapalhar. Fui convidada a entrar e entrei ainda pedindo licença. “Com licença, moço, posso entrar? É que a bagunça pode ser maior do que você imagina.”

E entrei. Cada passo foi uma nova forma de conhecer o mundo por outro lado: o ângulo do “deixa estar”. Entrei pra viver cada dia como o único da minha vida, até que chegasse o tempo de começar a entendê-lo como o início de alguma etapa. Eu entrei no meu novo lar divagando pelos móveis. Queria conhecer cada lugarzinho daquele espaço. Queria fazer parte dessa outra vida, ser necessária, ser uma só. Quando fui convidada a entrar não pensei muito. Casa nova, vida nova. Fui com o pé direito e me (ar)risquei no novo assoalho de madeira.

Quando eu pude recuar, eu já não queria mais. Já havia tomado conta de mim toda a mobília da casa. A decoração era de uma engenhosidade magnífica, inquebrável também. Mas se mostrada rígida. Imutável. Parecia que eu vivia numa loja de antiguidades. O mogno impecável. Os espelhos sem ferrugem. Os vasos translúcidos. Mas faltava vida. E faltava eu me sentir em casa. 

Eu risquei o chão com o pé e quis que aquele novo piso fosse o meu novo sustento. Passei as mãos nas paredes para me certificar de que eu estaria debaixo de ótimas estruturas. Mas precisei comprar algumas grades e travas: haveria de me sentir segura, cuidada e protegida. No meu novo lar coisas lindas me faziam companhias. Me senti leve pra sorrir sem preocupação. Mas ele ainda era recheado de obstáculos. Não dava pra se fazer escolhas. A casa era antiguada e não iria mudar. Afinal, essa foi a condição. “Te entrego um novo lar, mas você há de convir que o costume é por sua conta.” Eu tentei me acomodar.

Como falei, gostei da poltrona velha. A TV também era um retrô maravilhoso. Mas a cama estava meio desforrada, as garrafas de água vazias e os pratos ainda para serem lavados. Os quadros eram também antigos. Não se mexia em nenhum deles. Eu queria colocar minha cara, meu jeito, no meu novo lar. Mas não era tão fácil mudar as coisas de lugar. 

Quando conheci meu novo lar, eu nem bati na porta, mas a abri sem fazer barulho. Caminhei até a sala de estar, da sala de estar pra sala de jantar, da sala de jantar para a cozinha, da cozinha para o quarto e fui conhecendo tudo que eu podia da minha nova vida. Mas pra poder morar de fato na casa nova eu não precisava ter tirado os chinelos. Deveria ter entrada calçada, me sentindo dentro do que já era meu. Mas eu os tirei. E agora eu estou tentando lembrar onde deixei-os. Na porta da frente não está. Preciso calça-los. Preciso pisar firme e com familiaridade do meu novo lar. O lar a gente inventa. E é feliz com essa fantasia. 

Dani Fechine

09 setembro 2014

O que você fez com a vida dela


Hoje ela tem 25, mas oito anos não se esquecem facilmente. Aliás, até que se evaporam, mas quando o tempo esfria aquilo ali se transforma em orvalho e não tem quem a faça pegar um casaco e se esquentar: ela sabe que a noite vai ser longa e que não há cobertor que dê jeito. Hoje ela cresceu e amadureceu, mas não esqueceu o que a fez se tornar essa mulher incrível. Você pensa que ela é quem você pensa que é? Ledo engano, moço.

Olha, ela caiu, levantou, tropeçou, depois caiu de novo e dessa forma ela foi vivendo num ciclo vicioso onde você era o hospedeiro definitivo. Tropeçava, caía e levantava. Rapaz, você não imagina o quanto ela mudou com isso. Eu sei que até hoje você não se esqueceu da última viagem que fizeram juntos, mas também ainda lembra-se do último término. Eu sei o quanto você ainda a ama, mas amar todas as outras ainda parece mais fácil. Sei que é complicado pra você aceitar isso, afinal, ela te esqueceu. E foi exatamente esse ponto que o fez perceber a mulher que você tinha em mãos: ela se entregou de corpo, alma e com o coração na mão, te entregando pra cuidar. Você ficou com o corpo e largou o coração no primeiro apoio que encontrou no caminho.

Ela ainda se lembra de você, mas não se anime não, moço. Tu és recordação de aprendizagem, não de saudade. Ela ainda guarda uma foto, não posso te negar isso. Dia desses encontrei-a perdida em uma dessas caixas malucas que ela guarda de tudo um pouco. Mas normal, né? Que mulher não quer guardar lembranças do seu passado? Ficou uma carta também e algumas lembrancinhas, mas nada que a deixe nostálgica quanto a você. Ela te olha e sabe o que ela pensa? “Não mudou nada”. E se orgulha de ter te deixado. Mas essa mulher é tão incrível, moço, mas tão incrível que ela quer o teu bem quanto o de qualquer outra pessoa. Ela quer que você mude! Que seja bom, íntegro, honesto. Ela quer que você seja homem, pra que seja feliz de verdade algum dia. Ela lembra de você e agradece por tudo que viveu. Hoje ela é mulher, mas lamenta você ainda ser um menino.

Rapaz, me desculpa, mas te falo tudo isso porque você realmente precisa de um choque. Eletricidade não adianta, ia te deixar ainda mais desconectado do mundo. Ela não fala mais em você e isso já vem acontecendo há alguns anos. Ela está feliz, alegre, sorridente e contente. A vida dela vai muito bem, ela conseguiu emprego na agência que tanto queria e está quase dando entrada num carro. A estante dela duplicou. Isso não muda pra você, mas para o mundo ela acrescenta e muito com essa bagagem literária que ela tem. Parece que depois de você a vida dela deu uma engrenada que, ó, você merece até os parabéns por tudo que aprontou. Já dizia as beatas: Deus sabe o que faz, viu?

Mas agora olha só pra você. Os livros estagnados na metade, o copo ainda cheio de vodka, a cabeça vazia e um corpo sempre pedindo um pouco mais de corpo a corpo, de mulheres novas, pessoas novas. Você não muda, hein, cara? Não merecia mesmo a mulher que perdeu. Mas, ó, se preocupa não. Todo mundo cai em si um dia. Ela demorou alguns anos pra se encher de si e perceber o tamanhão dela diante de você, e depois de oito anos ela pôde agradecer por cada erro cometido no passado. Não precisava tantos traumas, mas valeu um pouco a pena. Hoje, tenho que concordar, ela ficou um pouco ranzinza e desacreditada. Mas nada como um novo amor para sempre amolecer o coração dela. No fundo, bem lá no fundo coração, essa mulher que você perdeu sabe que amar é a única salvação e, infelizmente, ela também sabe que era ela a mulher da tua vida. Moço, rapaz, cara, seja lá como eu te chamei, escuta só mais uma coisa: vai amar, vai. 

Dani Fechine

16 agosto 2014

Entre ele e a escrita


Olha só, é dia vinte e nove, e a gente não se vê há anos. Que ironia do destino a nossa de se encontrar na rua num dia memorável como esse. Um dia que já foi marcado no calendário, já foi data comemorativa, balões dentro do carro e cartões bem expressivos. Meus Deus, mas olha só... Que coincidência a nossa se bater num lugar tão bem frequentado por nós anos atrás e agora cada uma na sua vida, feliz do seu jeito, crescidos a partir dos erros e dos acertos. Vividos, também, a partir das idas e vindas, a partir das lágrimas e dos sorrisos. Que bonito, cara, que lindo ver o mundo girar, ver as coisas mudarem e perceber que nada é pra sempre. 

Olha, rapaz, sua namorada é linda, mas ela não escreve. Eu queria te dizer que não me arrependo de nada. Te larguei pra namorar com a minha liberdade criativa e olha, eu tô bem demais. Sua namorada é simpática o quanto pode, chega até a enjoar. Mas, olha só, ela tem medo de escrever algumas verdades. Não a culpo, jamais. Escrever é ter coragem, meu amigo. E eu te deixei pra expor ao mundo a minha alegria explosiva em colocar pra fora o que a imaginação grita aqui dentro. É que não dá, cara. Peço até desculpas por isso, mas não dá pra conviver com quem não se importa com a minha arte. 

Rapaz, preste atenção. Veja bem, não me peça pra voltar, não. Eu tô feliz demais com a minha imaginação exacerbada. Eu tô é muito satisfeita por estar feliz somente por escrever. Às vezes me magoa um pouco, não sai uma linha sequer, acredita? Mas é só questão de música boa aos ouvidos, uns filmes inspiradores ou alguns goles de cerveja. Um vinho até cai bem também. E aí quando aquele texto sai da gente feito um furacão, ah, você não imagina. Não imagina o quanto a gente que escreve fica em êxtase. E por dias. É uma droga alucinógena e potente demais. Impregna no nosso corpo, nos deixa vulneráveis a comentários e estamos cada vez mais buscando palavras, novos textos. Quem sabe até um livro, hein, rapaz. Você compraria, eu sei. Viria na maior cara de pau pedir dedicatória pra tua namorada, né? Te conheço, cara. Sem problemas! Tô aqui pra ser lida mesmo. 

Rapaz, já faz tantos anos, né? E a gente se encontrar logo hoje, vinte e nove. O destino é um moleque danado mesmo, viu? E eu gosto, mas gosto muito de dar umas gargalhadas com ele, por que, vá lá, só você mesmo pra me fazer escrever desse amor incontrolável, esse desejo incessante, essa loucura que consome, essa paixão milenar pela escrita. Eu troquei um amor por outro. Um homem por textos. Já pensou que loucura? Mas é porque você desleixava o que eu fazia com prazer. Assim não dava, né? Você aí, leitor, pense bem antes de namorar uma escritora. Na primeira banalizada sua a um texto dela, já era. Esqueça o casal. Ela vai pensar em te deixar. Pra mulher que escreve os seus textos são pedaços dela mesma. É como arrancar lá de dentro cada pedacinho que incomoda ou que grita para ser repaginado.

Você, por exemplo, foi repaginado dos pés a cabeça. Te remodelei, recriei e reinventei um cara que bem que poderia ter existido. E sabe o melhor? Você nem percebeu. Nem os outros. Dizem que os sonhos são desejos reprimidos, né? Lembro que você dizia isso quando narrava minhas viagens noturnas. Pois pego essa gancho e digo logo que os textos são personagens misturados. João não é só João e Maria não é só Maria. Em João existe José, que existe Matheus, que existe Lucas e por aí vai. Em Maria existe todo um desejo pessoal, toda uma expectativa feminina ou experiências de Ana, de Helena, de Tereza. A gente nunca tá sozinho quando escreve. 

Hoje eu tô aqui sem norma culta e sem gramática pra te falar da maneira mais simples que existe no português que a minha arte, que eu chamo de escrita, é primeiríssimo lugar na minha vida. Rapaz, presta muito atenção no que eu vou dizer: para uma mulher que escreve, o seu trabalho são as letras. Não menospreze, não desdenhe, não desfavoreça. Eu te garanto uma coisa, cara, a escrita é mais importante que você. Seja coerente, admire-a. Ela tem verdade. E você só confirmou isso hoje quando ela te virou as costas e saiu com a sacola da livraria, enquanto você dava as mãos a alguém que te largaria por outro homem nunca por ela mesma. 

Dani Fechine


Um recadinho da autora: Esse texto deveria ser lido com uma entonação diferente. Talvez alguns não encontrem a maneira que eu idealizei ao escrevê-lo, um jeito descontraído, despreocupado. Mas ele está aí pra ser ligo como bem entenderem. Sintam-se à vontade!

11 agosto 2014

Não escolher, mas ser escolhida


Era isso que faltava na vida dela: ser escolhida. Parar de classificar os homens e de colocá-los numa tabela imaginária, cortando qualidades incompatíveis e defeitos indesejados de cada um. Até que algum, vá lá, pelo menos um seria capaz de ficar, de fazê-la feliz. Mas não! Nunca restava. Todos seriam protagonistas de um romance com término marcado. Na cabeça dessa moça, desde o primeiro encontro, já rondava a ideia fixa de “não vai dar certo”. Mas não custava nada tentar. 

Para essa moça faltava existir uma variedade menor. Se ela queria sair da zona de solteira que rondava sua vida há alguns anos, ela precisava não ter que escolher. Precisa se apaixonar à primeira vista, mesmo não acreditando, mesmo isso sendo impossível aos seus olhos racionais de quem não ama quase nunca. Ela precisava se entregar. Depositar seus primeiros sentimentos no cara e deixá-lo decidir: é ela ou não? Para essa moça, era necessário sofrer um pouquinho por antecipação. 

Os tempos precisavam se bater. Se ela sentiu uma aceleração maior no coração, uma sequer, ele precisava sentir também. Esperar muito nunca foi a arte dela. Nem para um jantar, nem para passar algumas vidas juntos. Se ela ama, precisa ser agora. Precisa ser pra já. Não dá pra deixar esfriar o que no calor dos sentimentos pode ser bem melhor. Para essa moça, era importante amar primeiro. Mas, principalmente, não deixar de ser amada logo em seguida. 

Pra ela não tem essa de procurar o amor naquele relacionamento. Ou ela te ama e te fala isso sem medo – embora não tenha esse costume, e vale lembrar que isso são 10 pontos a mais na sua conta – ou ela te espera e confirma a certeza de que não, não vai dar certo mesmo. Para essa moça, a certeza no coração é infalível. Seja para o lado positivo ou negativo. Sentir a sensação de para sempre é ter a confirmação de que é ele. É ele o cara que lhe faltava durante esses 25 anos. É ele que vai ouvir o seu “eu te amo” que ela guardou uma vida inteira. É ele que vai receber os seus carinhos que tanto reprimiu. É ele que vai conhecer o seu lado mulher, enquanto a pessoa insensível que ela era se esconde mais uma vez nos seus caderninhos. 

Para essa moça é mesmo muito difícil amar. Relacionar-se com alguém é uma prova de fogo fácil de ser superada. É preciso compatibilidade de tempos. De certezas. De confirmações. De sinais. De saberes. Não é preciso ser igual a ela. Jamais esse foi um requisito. Mas para essa moça, para um relacionamento sair do vago para o sério é preciso apenas dela. É necessário, e disso ela tem certeza, de que ela sofra um pouco. Mas sofra por uma boa causa. E que essa causa seja amor. E que parta dela primeiramente. Mas que seja correspondido. Que os dois tenham nascido para se encontrarem e se esbarrarem por aí como Guido e Pricipessa. E que os obstáculos estejam aí, mas que eles tenham a certeza do tal “valeu a pena”, quando tudo desmoronar e cair por terra.

Para essa moça, antes de tudo, é preciso viver. É preciso aproveitar esse momento que sabe-se lá quando vai acontecer de novo. É preciso acreditar e ter simplicidade pra fazer florescer o que nem com muita água e sol foi capaz de brotar. Para essa moça, é de uma necessidade infinda o amor próprio. E o amor primeiro. Não sabe o que é? Eu explico. Para essa moça, é de fundamental importância que ela ame. E quem em seguida ele a ame igualmente. O inverso pode ser um perigo. Não queira arriscar. Essa moça sabe de tudo isso, mas continua tentando. Tentando fazer com que um dia toda essa matemática mal feita se desfaça e a torne capaz de amar sem necessariamente 1+1 ser igual a dois. 

Dani Fechine

26 julho 2014

O dia que a saudade transbordou



Ontem fui dormir e era dia do escritor. Hoje eu acordei e é dia da avó. Ontem ela me daria os parabéns sem ligar pra audácia que é me chamar de escritora. Ficaria feliz com os meus avanços e as minhas conquistas com as letrinhas. Hoje eu escreveria um cartão enorme pra ela, com minha letra uma pouco desnivelada e com poemas procurados no Google (porque minha imaginação sempre se esvai quando penso nela). Eu chegaria na cozinha devagar, você estaria mexendo alguma panela no fogão e eu ficaria em pé, atrás de você, esperando a surpresa acontecer. Você então viraria e eu diria toda envergonhada:

“Feliz dia da avó, vó.”

 E te entregaria o cartão, junto com um abraço apertado e um beijo estalado. Você iria me responder, brincando com os fonemas, do jeito de sempre:

“Obrigada, obrigada, obrigada.”

O dia de hoje merecia flores, vó. Merecia um buquê de vermelhas enfeitando a tua sala e fazendo brilhar teus olhos. Flores sempre foi a sua maior paixão. Um encantamento que eu nunca vi maior. O dia de hoje merecia presença. Merecia você sentada aqui, na minha frente, enquanto eu te escrevo. Merecia você derramar algumas lágrimas ao ouvir minha mãe ler meu texto pra você – mesmo que não fosse tão emocionante assim. Merecia te ver acordar linda, linda e jovem como sempre foi.

O dia de hoje merecia rotina. Merecia te ver sentada na mesa, com suas manias, no horário certo. Engraçado, vó, é que hoje eu tomei esse lugar pra mim. Involuntariamente e aos poucos, eu fui me acostumando a almoçar onde você almoçava. Onde eu sempre te via ao chegar da escola. Se tem algo que nos faz tanta falta é a tal da rotina. O dia merecia uma das mais pesadas e rígidas. Desde o acordar até o momento que você pendia a cabeça, cochilando na hora da novela. Merecia te ver levantar à tarde, depois da sesta, caminhar até a cozinha, pegar alguma fruta ou um café com bolachas e sentar no sofá da sala de estar. Nesse momento eu largava os meus estudos e me juntava a senhora. O dia de hoje merecia as nossas conversas e fofocas da tarde.  

Saudades, vó. Saudades. Eu só queria dizer que eu sinto a sua falta. E que algumas datas são sempre maiores que outras. O seu aniversário, o dia da avó, o dia 14 de outubro, o natal, o meu aniversário. Todos os dias são maiores que outros. Todos os dias a saudade é maior que o dia anterior. Todo dia a dor diminui. Mas a cada abrir de olhos de manhã o meu amor cresce, a minha saudade se alimenta. O dia de hoje está repleto de memórias. De nostalgia. De lembranças marcadas pela rotina, pelo coloquial. E é por isso, é pelo amor na rotina que o dia de hoje merece homenagem. Merece saudade, também. Mas saudades já acontecem todos os dias.

Dani Fechine

17 julho 2014

O amor não dói



Você me disse que amar não dói. Pronunciou isso duas ou três vezes enquanto discutíamos a minha loucura de não querer me envolver. Queria me fazer acreditar que tudo são flores, que a água do poço não seca e que a gente não chora por amor. Você me disse com todas as letras: “Menina, o amor não dói.” Queria que eu acreditasse na lenda de que amar é ser feliz, de que saudade só sente quem ama e que por isso um sorriso no rosto é mais coerente. Queria que eu caísse nessa ideia de que amar é o estado de espírito mais pleno da natureza.

Gritou no meu ouvido pra que eu não esquecesse: “Amar o outro não dói, sabia?” e completava dizendo que demonstrar também não era uma prova de fogo. Queria que eu acreditasse em toda essa trama de contos de fadas, onde amor é o ápice da felicidade. Queria que eu largasse mão da frieza inócua e me jogasse nos carinhos que uma vida a dois pode oferecer.

Dessa vez sussurrou: “o amor não dói, não”. É tudo paranoia de uma cabeça perturbada pelo passado, vidrada numa vida com restos de cacos de vidros perfurados nela. Queria que eu entregasse meu amor, que eu amasse como uma pessoa normal, que libera por todos os cantos do corpo o que o coração não consegue guardar. Queria que eu explodisse a alegria que é sentir. Pra depois triturar meu coração e deixá-lo em cima da mesa como algo sem conserto.

Agora escrevia em letras garrafais: “Querida, o amor não dói”. Tentava me fazer acreditar através de sua rápida e irreconhecível caligrafia, que pode ser bom chegar em casa depois de um dia cansativo e encontrar uma mão que acaricia os seus cabelos. Queria que eu caísse nessa de que quem ama, cuida. E que ser cuidada poderia ser maravilhoso. Poderia ser amor. Escrevia em todos os lugares da casa: no espelho do banheiro, na porta da geladeira, na parede do quarto, na mesa da sala. Queria que eu não esquecesse nunca que o amor não dói. Que amar não machuca. E que essa insistência toda era só um pedido de confiança.

Queria que eu acreditasse nessa ideia tola de amar. E o pior: eu acreditava. Acreditava na felicidade de dividir um milk shake com dois canudos, e de, apesar de simples, dar as mãos em qualquer lugar, de abraçar e sentir ali um porto seguro, uma Terra do Nunca, uma paz. “O melhor lugar do mundo nunca foi um lugar”. Sempre foi o teu abraço, o meu corpo no teu, os teus braços me envolvendo e as tuas mãos passando lentamente na minha nuca. Amar também nunca foi só um sentimento. É uma vida inteira que requer paciência, compreensão e tempo. Tempo pro outro. Tempo pra entender as incertezas e alma de quem vive ao teu lado. Tempo pra acreditar que toda essa loucura de comédia romântica hollywoodiana tem um lado possível. Tempo pra não esquecer de que o amor é sempre lembrar para si mesmo o quanto o outro é especial e que a vida está mais brilhosa, mais vibrante, mais bonita, depois que ele chegou. Queria que eu acreditasse nessa ficção de novela das sete. E eu acreditava. E sentia o aroma de amor inundando os cantos da casa. 

Dani Fechine

Citação: “O melhor lugar do mundo nunca foi um lugar” (Pedro Gabriel - eu me chamo antônio)

29 junho 2014

Quando a fuga é mal sucedida


Eu negava ser feliz, afirmava que não era, nunca foi, nunca seria amor. Mas eu me pegava reclamando sua ausência, seu carinho e a paz que você trazia. Me encontrava sentada na beira da cama com a cabeça em outro patamar, em outra dimensão, uma terra do nunca ainda desconhecida. Eu me fazia acreditar que era só ansiedade, só aperto no coração, uma inquietação natural de quem vive apressada, correndo pra tudo e de tudo. Era só uma palpitação ventricular, um espasmo. Mas de repente eu me via escrevendo sobre você, criando poemas, hai kais, sonetos e todas essas maravilhas que só saem da nossa mão em momento de insight muito forte, em emoção exacerbada ou em batalha interna com a mente e o coração. Eu já não mais me preocupava em ofender aos mestres da poesia, me sentia tão louca quanto eles, capazes de superar o próprio auto-entendimento e a singular capacidade de ultrapassar as barreiras do coração.

Eu me dizia que não não ficaria mais para o café, porque não era nada, só um incomodo no peito. Era só um ruído que meu coração fazia, provavelmente, me alertando do perigo. Mas então eu já estava sentada na cama, com aquela bandeja na minha frente, completamente impedida de reagir com uma porção de pães de queijo me esperando e uma xícara de chocolate quente me falando que só por hoje não haveria problema. Então, só dessa vez, eu fico pro café novamente. E te faço as panquecas que tanto gosta, o suco de laranja sem açúcar e o sanduíche natural que você não dispensa. Depois eu pego minhas coisas e volto a reafirmar para o meu íntimo: acabou. Te dou adeus e prometo não te fazer, sequer, um café. 

Eu garanto a mim mesmo: não é nada. Só um tic-tac fazendo sinal no coração. Só um frio na barriga, uma saudade natural de quem passou o dia juntos, um desejo qualquer de se encontrar por aí. É só uma insegurança normal de quem espera ser só flores e encontra alguns espinhos na roseira. Então eu já estou te ligando novamente, te convidando para uns goles de cerveja em qualquer lugar da cidade. Ou um vinho suave pra esquentar a noite. Depois já estou me arrumando, contornando minha boca de carmim, mas com a cara lavada de quem não vê a hora de falar algumas verdades sinceras ou de sambar sozinha, mas a dois. Por fim, já estou brindando o pedido de ser feliz para sempre, mesmo na infelicidade. 

Não há dúvidas. É apenas um espaço obstruído dentro do coração. Uma flor querendo desabrochar, mas se eu não regar, com certeza ela desfalece. É só não dar ouvidos. Deixa o coração acelerar. Ninguém morre dessas poesias humanas. É só deixar pra lá. Se não há nada, continuará sem existir. Mas então eu já estou na sua casa, conhecendo sua família, fugindo do seu cachorro e admirando, de longe, sua gata, esperando que ela não se aproxime muito de mim. Já estou ajudando a sua mãe a preparar a sobremesa e dando algumas dicas de uma moça que divide o apartamento com os livros e sobrevive como pode com o talento que não adquiriu da sua avó. Me encontro brindando com seu pai, rindo de piadas completamente sem graça, mas já imaginando um futuro, construindo, idealizando, em questão de segundos. Não é nada, só desejo de mudança. Eu garanto. 

Era só uma novidade tomando conta da minha cabeça. Me instigando a arriscar ou ser feliz. Era só um sentimento novo, indecifrável, ilegível, difícil até de sentir, e para entender, então, uma tortura. Era só isso. Nada que me impedisse de não ligar no outro dia, nada que me fizesse acreditar que havia um futuro, nada que me convencesse de que a dois era mais fácil, mais feliz, mais bonito. Quando menos espero, já estou entrando na capela. O mar brilha lá fundo e o pôr-do-sol sorrir me mostrando que é minha hora de ser feliz. Meu pai derrama algumas lágrimas. Nunca imaginou me levar até o altar. Logo eu, tão decidida de mim, tão composta de independência, de compromissos individuais, de auto-suficiência. Deslizo com uma leveza incomparável pelo tapete de pétalas vermelha. Meus olhos brilham de lágrimas. Você está lá na frente me mostrando que eu sempre estive errada. E não adiantava mais fugir. O buquê já foi lançado, o bolo partido, as taças já se cruzaram e a festa já ficou pra história. Era tão certo quanto a ressaca que me encontrei no dia seguinte: era amor. E era também paixão. Amizade. Era uma soma com um resultado ainda indecifrável, mas completamente sincero.

Dani Fechine

23 junho 2014

Por amor

filme: O Amor Não Tira Férias

Sim, estou fugindo. Não é por você, não é pela xícara suja em cima da pia, não é pela toalha deixada na cama, muito menos pelos chinelos esquecidos na entrada de casa. Não foi a briga de ontem à noite, tampouco seria a ligação que você não fez. Não foi o fato de você sair de casa enfurecido e bater a porta. Também não foi te ver voltar com um bom dia super morno na voz. Não foi o ciúme que você tem do meu colega de trabalho, não foi a louça que você não lavou nem o chuveiro que você não fechou direito. Foi amor, e estou fugindo por isso.

Estou fugindo enquanto há tempo. Enquanto ainda restam 10 minutos para o amor me invadir. Estou fazendo as malas e o coração foi o primeiro a ser embrulhado. Estou fugindo por causa do carinho antes de dormir, da sua mão deslizando os fios do meu cabelo, da sua massagem no pé quando o dia me torturou por inteira. É pelos dois copos de cerveja que você trouxe na minha cama em plena segunda-feira, porque cerveja sempre resolve um dia cheio de problemas. Foi o vinho também. O vinho suave que você abriu pra comemorar a vida, o amor. Não havia data especial. "Nós somos especiais, isso nos basta". Foi o que você me disse, e é por isso, também, que estou fugindo. 

Não é pelas mensagens não respondidas ou ligações recusadas. É por você atender todas elas. Estou fugindo porque eu te ligo e quero correr pros teus braços no mesmo instante. Estou indo, sim. Mas não é por falta de palavras. É, justamente, pelo eu te amo dito logo cedo, seguido de um abraço acolhedor e um beijo ainda com gosto de café. Não é só pelas belas palavras, mas, principalmente, pelo que elas causam em mim, pelo que eu sou quando as escuto, pelo que eu sou também quando sinto falta delas. Não é a sua tagarelice durante todo o dia, é a sua ausência de dez minutos fazendo meu dia ser o mais chato do ano. 

Não foi pela viagem que não fizemos. Pelo contrário. Estou fugindo por conta da viagem que fizemos na semana passada, sem nem pensar que nos conhecíamos a tão pouco tempo. É por ela, também, que estou dando o pé. É pela saudade que senti quando cheguei em casa e o vazio que a minha cama trouxe pra mim. Dois travesseiros. Uma pessoa. Não dava. Foi essa falta precoce que você me trouxe que me fez querer fugir. Estou indo porque meu coração palpita, minha ansiedade se aflora, meu ciúme é obsessivo e a minha garganta fecha quando eu quero dizer que eu te amo. Estou fugindo porque ainda é tempo. Meu corpo pede o teu, mas a minha razão ainda não se esvaiu por completo. 

Estou fugindo, meu amor, porque esse sentimento assusta. Gostar assusta. Amar então... Por isso estou indo antes que eu consiga pronunciar o "eu te amo". Antes que a minha boca grite o que o meu coração já não consegue mais guardar. Antes que os meus dedos disquem o teu número sem procurar na agenda telefônica. Antes que as nossas escovas de dente se conheçam. Antes que você saiba as minhas manias. Antes que eu me entregue. Estou fugindo porque ser dois em um me assusta, me atordoa. Não dá pra ser um só assim tão fácil. Não dá pra dar as mãos, entrelaçar as pernas e os corações, quando a cabeça não desata um único nó presente. Não dá pra ser nós dois sem medo. É por amor que estou fugindo. 

Dani Fechine

11 maio 2014

Um conto de mãe e filha


"Era sábado e já acordou com a cabeça a mil. Pensava numa forma de presentar a sua mãe. Mas seu porquinho estava vazio, sua criatividade pareceu se esvair. As palavras sumiram! Nada parecia o suficiente, nada parecia ser do tamanho que ela merecia. Sua mãe sempre foi a sua joia. Aquela flor única que nasce no jardim. Aquela risquinho de sol num céu nublado. O último pedaço da sobremesa. O último gole do vinho. O pão de queijo saindo do forno. A mão que se precisa pra se sustentar. Sua mãe sempre foi aquele anjo que nunca desaparece. Aquele bote salva-vidas quando ela precisa de resgate. Sempre foi aquela alegria quando era do sorriso dela que sentia falta. Ou a paz, quando era sossego que ela procurava.

A mãe dela sempre foi mais que isso. Era aquele restinho de esperança que a vida estava pedindo. Era a saudade transformada em amor. Era o diário sem chave - porque simplesmente não era necessário lacrar. Sempre foi o ídolo que ela nunca soube dizer qual era. O orgulho que ela tem desde que nasceu. Aquele amor verdadeiro que ela acha que não existe e não se dá conta que está bem do seu ladinho. Sua mãe sempre foi aquela que se desdobrava inteira para estar nos eventos escolares, para presentear-lhe com o que queria de verdade. Para vê-la feliz. Sua mãe era a aquela que não a abandonava nunca, mesmo no erro, estava lá. Para consertá-lo, para ensiná-la a fazer o correto, para dar alguma bronca e, com toda certeza, pra amparar-lhe. Sua mãe era aquela que todo mundo queria ter no mundo, mas só ela e sua irmã a tinha. 

A mãe dessa menina era incrível. Trabalhava dia e noite pra dar-lhes conforto. Para que vivessem da melhor forma possível. O que ela não sabia era que o amor bastava. Que a companhia dela era a melhor do mundo. E que isso dinheiro nenhum no mundo comprava. Não há vale de troca. Nada substitui essa figura que chamamos de mãe. 

Chegou a noite. Ela foi dormir um pouco preocupada. Dia seguinte seria dia das mães e nada havia comprado para presentear a sua. Deitou, pensou, pensou, e nada passava pela sua cabeça. Sequer uma fagulha de criatividade. Mudou o lado da cama, se mexeu o quanto pôde, apagou e acendeu a luz, escreveu algumas linhas, e nada. Nada parecia ser o suficiente para alguém tão especial. Alguém que, por mais clichê que pareça, a carregou nove meses na barriga, e mais 19 anos ao lado. Alguém que sempre esteve de braços abertos para acolher ou comemorar. Alguém que nunca a deixou abater por perda nenhuma. Alguém que estava ali. E sempre esteve. E vai estar a cada segundo.

Dormiu. Sem querer, caiu no sono. Acordaria no outro dia com as mãos vazias, a boca seca e o coração explodindo de decepção de si mesma. Teve um sonho perturbador. Mal pregou os olhos. Acordou de madrugada. Leu algumas páginas de um livro. E amanheceu. Com os olhos abertos desde cedo, caminhou até a sala. As mãos para trás, a cabeça baixa e uma lágrima pronta pra cair. Balbuciou um "bom dia" e antes de acrescentar qualquer palavra, sua mãe falou:

- O primeiro "bom dia" do meu dia ser seu, é o melhor presente que uma mãe poderia ganhar.

Sem palavras para responder o que, pra ela, também havia sido um presente, a menina a abraçou. Mas a abraçou tão forte que sentiu o coração bater do outro lado. Foi o dia das mães mais sincero das duas. Foi o abraço mais inesquecível que compartilharam. E foi o dia que nenhuma delas irá esquecer. A filha, pela mãe surpreendente que tem em casa. A mãe, pela filha maravilhosa que colocou no mundo."

Dani Fechine

O texto é completamente ficcional. Porém, essa mãe incrível a qual descrevi é a minha. Essa pérola que eu guardo comigo em todos os lugares que vou. Essa pessoa incrível, guerreira, determinada e firme. Essa mãe inigualável é minha. E ela é eterna. É insubstituível. E eu amo mais que qualquer coisa nesse mundo. Mãe, guarda essas palavras, é a minha forma de eternizar o que meu coração grita por dentro. Amo você! 

04 maio 2014

Carta do futuro


“Venho, por meio desta, informar que uma mudança drástica aconteceu no nosso mundo. Logo após a implosão que sucedeu por aqui algo novo surgiu. Um novo planeta renasceu, com novas árvores, novas terras, novos mares, novo céu, novas pessoas. Esse é o ponto principal. Novas pessoas. Caro amigo, sei que não lerá esta carta, mas faço questão de relatar para as gerações futuras sobre o futuro grandioso que o nosso passado obteve e ninguém melhor do que você para ser o meu destinatário.


Pois é, você é uma das poucas coisas do mundo velho que ainda restam nesse paraíso, porque permanece por todos os lugares. Hoje saí pra trabalhar a pé, para sentir um pouco a brisa fria da manhã de junho e, algo incrível aconteceu: durante os 15 minutos de caminhada até o escritório, recebi cinco cumprimentos de bom dia. Agora todos se cumprimentam na rua, mesmo que não se conheçam. Acenam, sorriem e as vezes até desejam coisas boas pra gente, sem se importarem com quem estão falando. Chamaram essa prática de educação. Achei fantástico e estão até ensinando nas escolas.

Lembra-se dos noticiários sanguinários que você detestava? Faliram. Pouco se vê de violência por aqui. Todos me parecem humanos, diferentemente do mundo antigo, onde a briga diária por bens materiais, pela vida e pela paz alheia, era pauta principal de quase todos os jornais da cidade. Agora a gente sai pra beber um vinho durante a noite e não nos assusta mais deixar o carro em casa e caminhar um pouco até o bar. Voltamos alegres, pisando as poças d’água, sem disparar o coração ou sermos surpreendidos com algum assalto a mão armada. E quando raramente isso acontece, esses cidadãos um pouco desvirtuados das coisas boas que a vida pode nos dar, são reabilitados em casas especializadas nesse tipo de problema. Recebem a chance de voltar ao mercado de trabalho e passam a viver novamente como nós. Quem diria, hein, que essa paz seria possível? O segredo foi investir na prevenção do mal. Remediar se tornou obsoleto.

Uma novidade digna de comemoração é que preconceito pouco se conhece por essas bandas de cá. Comemos bananas e ninguém nos chama de macaco, por exemplo. Não somos todos iguais, mas nos respeitamos igualmente. Não temos a mesma origem, mas somos um mesmo povo. Não fomos criados da mesma forma, mas lutamos para uma mesma causa. Não gostamos das mesmas coisas, mas compartilhamos nossos saberes. Não nos ensinaram como seguir, nós simplesmente seguimos. E fizemos o certo.

Por falar nisso, aqui sobra honestidade. Se esse mundo para o qual escrevo ainda houvesse salvação, mandaria um pouco dentro desse envelope. Quem não tem nada, o pouco já é suficiente. Políticos a gente também tem, sabe? Mas como diria Thomas Hobbes, esse governo é um mal necessário para conter o caos. Alguém tinha que pôr ordem nisso tudo e, por incrível que pareça, está dando certo. Educação não nos falta, meu amigo. As crianças estudam sustentadas pelo governo e estas são as melhores escolas do nosso país. Há briga para conseguir matrícula. Abastados ou não, todos frequentam o mesmo colégio. A saúde gratuita também virou acesso fácil e eficiente. Os médicos aqui gostam de trabalhar e o fazem por amor. Nenhum cidadão morre em cima de uma maca no corredor da emergência. Nenhum idoso perde sua vida por recusa de atendimento. Somos todos prestativos. E fazemos isso porque queremos o mesmo em troca.

E por fim, meu caro, aqui o respeito é mútuo. Das crianças aos idosos, todos fazem parte de uma mesma massa regida pela educação. Alguns ainda não descobriram seus destinos, mas todos sabem que a base para construí-los está no que plantamos por aqui: respeito. A dignidade, a coragem de seguir em frente e o sucesso da realização nós cultivamos pouco a pouco e acreditamos que no fim seremos cada vez melhores. É com uma saudade imensa de você que me despeço de uma vez por todas. O mundo que ficou não mais nos pertence e dele não queremos nem uma folha para plantar por aqui. O mal se dissemina com uma frequência maior que o bem e é isso o que menos queremos no nosso planeta que não mais se chama Terra. Um abraço saudoso e repleto de boas energias. Quem sabe não nos encontremos em outro mundo.”

Dani Fechine

23 abril 2014

Como um míssil


Sentada em mais um desses cafés, debruçada em um Machado de Assis meio desacreditado, pude enfim avistá-lo. Ele chegou feito um furacão, derrubando todos os meus pensamentos soltos, todas as minhas angústias e preocupações. Se pediu licença? Sentou na primeira cadeira vazia que viu ao meu lado, tocou no meu ombro e falou pausadamente: chegou a hora. A partir daí não se encontrava mais nada sobre a mesa. O Machado de Assis foi cuidadosamente guardado, o porta guardanapos entregue a garçonete e um jarrinho de flores artificiais escanteado no pé da mesa. A conversa era séria e olho no olho era essencial. 

Arregacei um pouco as mangas da camisa de botão preta que vestia, me fiz confortável na cadeira, como se estivesse a brincar com uma criança ao chão e, simplesmente, não precisei mais apoiar os cotovelos na mesa, levar a mão até o queixo e fazer a cabeça doer de tanto pensar. Aconteceu. E foi maravilhoso, gratificante. Me senti orgulhosa do feito e resolvi marcar aquele lugarzinho perdido na cidade como o mais inspirador da minha vida.

Ele chegou de supetão, mas tomou conta de todo o meu tempo. O famoso insight, que faz a gente ser ainda melhor no que faz. Que melhora nosso humor e nossa maneira de aproveitar o restante do dia. Foi ele que se apossou completamente da minha frágil ansiedade de querer me colocar a todo instante em frente a uma máquina de escrever. E por ironia desse camarada, não havia a máquina, nem notebook, sequer um tablet ou alguma outra ferramenta que fizesse acelerar o meu processo criativo. Foi no bloquinho de notas que nunca sai da bolsa, o salva-vidas, que fui feliz numa tarde que tinha de tudo para ser monótona. Tirei-o com cuidado mas ao mesmo tempo com uma certa pressa. A caneta haveria de ser a de sempre. Superstição autoral deve ser levada à risca. 
Enfim, risquei a folha. Fui numa velocidade descomunal. Meus pensamentos corriam depressa, um sempre querendo ultrapassar o outro, embora soubessem que chegariam a um mesmo prêmio. Concentrei-me na folha azul e rabisquei o quanto pude. Daria um livro, se houvesse força suficiente para escrever com as mãos. Mas deu um texto. Dois. Três. E mais alguns. O último foi sobre como é incrível, fantástica e única a sensação de ter o que escrever e de sentir uma necessidade infinda de riscar o papel. É o que faço de melhor. E como diria minha querida Tati Bernardi, antes de tudo "tem que amar tudo que eu escrevo."

E foi assim que eu me esvaziei. Foi assim que eu me dei conta do que é escrever. E me recordo disso a todo instante de inspiração imediata e obrigatoriamente ininterrupta. Escrever é uma necessidade que transborda poesia. Vai muito além do que deve ser dito e ultrapassa todas as lacunas do seu coração, da sua alma e do seu querer. Com isso, tenho o dever de concordar com meu caro Bukowski: se não sai de ti a explodir, apesar de tudo, não o faças. 

Dani Fechine

13 abril 2014

Bom dia, amor


Foi quando eu te vi sentada naquele cantinho da sala, naquela cadeira velha que você nunca teve coragem de deixar num brechó, com um joelho levado até o queixo enquanto o outro pé riscava o chão e estampando nesse rosto delicado um sorriso que eu nunca vi igual. Tão encantador e inocente, tão hipnotizante e enfeitiçador, tão cheio de si e tão perdido ao mesmo tempo, que sempre me fez optar por ele do que por qualquer outro. Foi nesse momento de vislumbre distante que eu percebi que não há ninguém nesse mundo que faça um café melhor que o seu. Não há companhia mais entusiasmada para um vinho em plena terça-feira. Não há cabelos mais macios que os seus. Não há olhos mais brilhantes. Não há, simplesmente, alguém igual a você. É por isso e por te ver sentada, ali, com minha última camisa branca do armário, que eu percebi que não dá pra devolver o pacote depois que ele foi aberto. Não dá pra fazer parar o coração quando ele já cresceu o máximo que podia. Simplesmente não dá pra voltar atrás, quando o corpo todo já ficou.

Puxei uma cadeira - essa já um pouco menos gasta - e sentei ao seu lado. Você trocou a posição das pernas, deu um nó bem ágil no cabelo e deixou uma pedaço da franja cair sobre os olhos. Segurava agora um café quente e fixava em mim um olhar vidrante. Nesse momento eu também percebi que não trocaria o seu olhar pelo de nenhuma princesa de cabelos dourados. Pisquei os olhos devagar numa tentativa de dizer a mim mesmo que você era real. Que eu tinha uma pessoa magnífica sentada bem ao meu lado.

Pediu-me os óculos para melhor enxergar o livro que agora lia. Um Machado de Assis em época de desengano, que eu mesmo a havia presenteado. Pela manhã pouco se falava nos cantos da casa. Olhares e sorrisos tomavam conta de um lugar que se tornou diferente justamente pra não ser normal. Um lugar que não fala quando acorda, porque acordar nunca foi lá essas coisas. Mas que dá beijo de boa noite e acaricia os cabelo, porque dormir nunca deixou de ser um prazer. E nesse momento me dou conta de que você é a minha lente de contato. Caio em mim e percebo que se não tivéssemos esbarrado na mesma esquina eu ainda estaria acordando de mau humor e resmungando até o momento de dormir novamente. E iria deitar, virar pro lado e dormir, sentindo falta de algo que eu nem pensaria em ter, mas que quando eu tivesse, seria o encaixe perfeito do meu quebra-cabeça de duas peças.

Você levanta e com suas pernas longas e finas do lado de fora da camisa, caminha até a cozinha e põe a xícara na pia. Procura seus chinelos. Não encontra. Calça os meus e eu não ligo se o chão está frio. Me lança um olhar cerrado, jogando a franja novamente para trás. Lavamos a alma num banho a dois, num bom dia diferente de se pronunciar. E eu percebo que depois de você eu não posso mais acordar e pronunciar um "bom dia" de maneira clara e direta. Não dá pra apressar o que prolongado pode ser maravilhoso.

É quando eu te vejo todos os dias num ritual nada corriqueiro, me fazendo mudar de sorriso diariamente, me fazendo crer na doçura que é ter alguém pra segurar a mão quando o mundo vem te derrubando, me fazendo ser feliz com gestos simples ou apenas com sua existência. É quando você é a mesma diariamente - encantadora e real - que eu percebo que nada melhor que você poderia ter aparecido em minha vida. Então se veste para o trabalho e, com mais um café na mão, me beija os lábios e, enfim, diz: bom dia, amor.

Dani Fechine

30 março 2014

Sobre morte e sonho


Eu sempre acreditei que a vida fosse uma espécie de eternidade finita, uma passagem do material para um brilho estrelar, uma conspiração magnífica em ser feliz e não procurar o fim do que quer que fosse (porque um dia ele sempre chega, seja de um problema, de uma alegria, de uma realização ou de uma vida). Mas quando vamos crescendo, as estrelas cadentes deixam de ser o pedido que a gente sonha ao cruzar os dedos e passa a ser um risco rápido que num piscar de olhos é inevitavelmente esquecido. A gente vai crescendo, vai observando os carnavais passarem e de repente se depara com uma sexta-feira 13, um Halloween em plena Ação de Graças. A vida tenta, de todas as maneiras, cruéis e incrédulas, tirar a esperança, a fé e a visão de que o dia amanhã vai nascer, e com todo o clichê, que depois da tempestade sempre vem um sol. Nem que você faça um borrão dele no quintal de casa. Ele vem. E a gente nunca percebe isso.

Não nos ensinam a dizer adeus. Nunca. Minha infância foi marcada por uma música que até hoje me vejo cantarolar pelos cantos da casa. Ela dizia mais ou menos assim: "Professora, que corrige os erros meus, me ensina a dizer eu te amo, mas não me ensina a dizer adeus...". Até que o fim do ano chega, e aquela senhorinha que nos ensinou a ler, deixa de ser a nossa tia e agora a chamamos de tia Mônica, ou tia Simone ou tia Shirley, pra distinguir da que conheceremos no próximo ano. E então a gente aprende a respeitar, a pedir desculpas, a agradecer, a sorrir sempre, sempre que possível, porque tristeza, meu bem, é tudo que a gente não precisa nessa vida. Mas não nos ensinam as despedidas, o 'até logo', o 'a gente se vê por aí', e como diz a música, o 'adeus'. A gente não aprende a fechar o ciclo. O ciclo que desde tão novos aprendemos. Tão metódico, tão circunscrito no seu próprio mundo, tão completo, e ao mesmo tempo tão vago e real. A gente não aprende a dizer 'tchau', tampouco a recebê-lo. 

O tempo voa. A gente cresce. E se não tivermos cuidado com o que pensamos e escutamos, morrem os sonhos, desde muito cedo. Acredito nos sonhos como quem acredita na verdade. Tão fiel e exato quanto a metodologia dos conceitos prontos de felicidade descritos repetidamente nos livros de Augusto Cury. Se não são os sonhos que nos formam e nos guiam, eu não sei o que pode ser. Peço o perdão da palavra, mas é o sonho que nos derruba e que nos levanta. Puxa-nos e devolve-nos ao chão. Mas está sempre brilhando em algum lugar. O nosso digníssimo Augusto dos Anjos resumiu isso muito bem quando escreveu que "a mão que afaga é a mesma que apedreja". O sonho é assim. E isso serve pra tudo nessa vida. 

Retornando ao 'morrer' de fato, sem entrelinhas, sem parênteses, aspas ou ítálicos. Voltando ao morrer propriamente dito, o que tenho a dizer é que certas coisas não precisamos aprender a nos despedir. Com meu pensamento ainda de criança, eu sempre acreditei que a morte só viria numa velhice quase infinda, e que qualquer morte antes disso seria uma puta duma injustiça. Ainda acredito na teoria prática de que (e Cazuza que me desculpe) morrer dói, sim. Não no morto ou no defunto, como friamente falaria Machado de Assis. Mas dói. Dói na alma do próximo e (me desculpem a piada infame) na do distante. Dói naquele que sente, que vive e que está nesse mundo pra sonhar. Os sonhadores com tudo nesse mundo estão a desfalecer. Mas sempre há uma luz, uma fitinha do senhor do Bonfim da Bahia, uma nova promessa, um novo truque ou superstição para nos fazermos acreditar novamente no milagre da renovação. Há sempre uma rosa desabrochando num dia frio, um sol riscado no quintal de casa e uma criança te sorrindo, mostrando que tudo pode ser bem simples se enxergarmos além do nosso mundo.

Dani Fechine

22 março 2014

Amor com Rotina


Nossa história daria um filme. Ou um livro. Não porque nos aventuramos a sair da rotina todos os dias. Pelo contrário. Amor é rotina. Daria um best-seller pela simplicidade. Pela paciência, pelo carinho e companheirismo. Daria um livro só pelo fato da gente se amar sem sair por aí pra escancarar. Nós ganharíamos o Oscar de melhor casal, de melhor beijo ficcional, da melhor cena de amor que Hollywood já viu. Eu vou escrever um livro sobre nós dois. Sobre como foi ter você todos os dias ao meu lado com esse sorriso infindo, esse olhar penetrante que não me abandona segundo sequer. Vou escrever um livro sobre a nossa história convencional, embora a mais bonita do mundo, pelo simples fatos de nós dois sermos os protagonistas.

Meu prefácio é o nosso fim. Começarei o nosso livro contando do quanto a gente foi feliz a vida inteira. Que apesares aconteceram, que tropeços também tiveram aos montes, mas que nossas mãos nunca estiveram tão firmes uma na outra. Escreverei sobre o jardim que cultivamos desde noivos e que até hoje, na velhice companheira que nos fez cada dia mais vívidos, cultivamos como nosso amor. Não posso esquecer também dos filhos lindos que tivemos. Os meninos mais lindos do mundo que tornaram-se Peter Pan nos nossos corações. Seria também uma injustiça não falar de você. De como foi bonito te ver envelhecer. Ver os seus cabelos castanhos ficarem cada dia mais claros, e por fim, brancos. Falar de como eu me sinto feliz, leve e satisfeito por ter encontrado uma pessoa tão maravilhosa, por dentro, por fora, consigo, com os outros. Alguém que segurou a minha mão até perder as forças no leito de morte. Alguém que me faz agradecer, todos os dias, por ter tido uma pessoa que amou os meus defeitos, as minhas qualidades e todo o meu esquecimento precoce de uma velhice tardia.

O capítulo um seria intitulado de 24 horas. É a quantidade de horas por dia que eu sou feliz. Que eu amo. E que eu vivo pra te fazer sorrir. É a quantidade de horas que eu me lembro de como foi encantador te ver no altar, derramando as lágrimas mais sinceras que eu já pude tocar. De como foi doce dizer um “sim”, mesmo querendo gritar “para sempre”. É a quantidade de horas por dia que eu tento voltar para o dia que nos conhecemos e reviver todo aquele instante. O momento do primeiro encontro, a sua primeira gargalhada, o primeiro abraço de proteção quando eu achei que meu mundo estivesse implodindo naquele instante e o primeiro “eu te amo” que eu ouvi e guardei dentro da caixinha de música que você me deu no primeiro ano de namoro. 24 horas é o tempo diário que eu tento te fazer feliz, porque é isso que também me faz feliz.

O segundo viria sem palavras em seu título. Em branco. Que é como eu ficava ao acordar e admirar, de perto, de muito perto, a tua nunca e alisar os teus cabelos como se todo dia fosse o último dia da minha vida. Emudecer era a minha reação a cada surpresa que você me fazia fora de hora, fora de época, sem data, sem mês, mas com amor escrito em cada canto do mundo. Além do título, poderia deixar o próprio capítulo também em branco, porque as coisas mais lindas que você me falou foram no silêncio. Na paz de espírito. No amor que a gente dividia no olhar. Tudo de mais encantador que eu ouvi e li, foi no seu piscar de olhos lentamente, um pouco cerrados e brilhando como esmeraldas.

O capítulo três é de como eu sinto a sua falta, Emma. Ele iria se chamar “Vazio”. É o que ficou da nossa casa. Da poltrona rosa ao lado da minha, da escrivaninha com todos os seus cadernos, folhas, canetas. O vazio que você deixou no jardim, entre as flores. O nada que me faz tão cheio todos os dias. Esse vazio que me faz querer sentir o teu perfume entre as rosas, que me obriga a derramar uma lágrima sempre que não te vejo mais sentada onde deveria estar. Vazio é o lado da cama que você deixou com seu cheiro e ainda com seu jeito. É a xícara de café que eu não encho mais pra te levar na cama, o almoço de natal que não faz mais sentido, e os nossos aniversários de casamento que eu comemoro sempre com uma nova carta pra você. 

E todos os outros capítulos seriam uma dessas cartas escritas nos dias 22 de abril de cada ano. Cartas que te trazem de volta por algumas horas e que me fazem sentir a ausência mais presente do que todos os dias. Cartas de amor ridículas, como diria Fernando Pessoa, porque se há amor, tem de ser ridículas. Cartas das rotinas mais apaixonantes que eu vivia, porque você sempre me dizia que amor é amar a rotina. E eu amava. Amava você e amava a rotina que você me fazia viver, crescer e ser feliz. É por isso que todas essas cartas seriam experiências simples de uma vida simples de duas pessoas simples e de um amor simples. Cartas que fizeram de mim o homem mais saudoso do mundo, com o coração nostálgico. Uma saudade que não tem fim, dos seus olhos, do seu sorriso, do seu abraço protetor e desse carinho que ninguém nunca vai encontrar igual na vida.

Escreverei um livro sobre nós dois. E ele será a minha última carta para, enfim, te encontrar novamente, onde quer que esteja. Eu prometo, Emma. É o último ato corriqueiro que nós vamos realizar juntos. O único toque de amor que nós vamos deixar na Terra. A última semente de que vale a pena ter esperança num amor tranquilo. Escreverei o nosso livro e ele se chamará Amor com Rotina.  

Dani Fechine


Citação: “As cartas de amor, se há amor, tem de ser ridículas.” Fernando Pessoa

02 março 2014

O que é o amor?

Quando eu tinha sete anos, aquela professora que eu chamava de tia escreveu na lousa com letras garrafais a seguinte pergunta: O que é o amor? Complexo demais para uma criança que ainda estava aprendendo a ler e escrever. O dia das mães se aproxima e essas respostas fariam parte de uma coletânea entregue a cada uma. Li devagar e transcrevi, ainda que meio rabiscado, a tal frase na folha do caderno. Eu era a última da terceira fila, ia demorar um pouco chegar a minha vez. Eu saí da Terra e viajei aos lugares mais incríveis pra tentar descobrir o que essa palavra significava. Mas foi de supetão, no ímpeto de dizer "não sei" que a resposta chegou: "Amor, professora, é quando minha mãe me pega na escola com o sorriso mais lindo do mundo. Além de amor, isso também é o meu mundo. Então essa palavra que a senhora quer saber, é o mundo que eu tenho dentro de casa. É também aquele beijo de boa noite que ela me dá depois de contar a mesma história pela décima vez na semana. E o abraço de bom dia que eu recebo também é amor."

No meu aniversário de quinze anos, o meu pai fez um discurso no qual ele repetiu a mesma frase: O que é  o amor? Retornei à minha infância, olhei pra minha mãe. A amei naquele instante como nunca. Mas não pude deixar de acrescentar em meus pensamentos aquele garoto que iria dançar a valsa comigo algumas horas mais tarde. Eu dizia que o amava. E aos 15 anos o amor era sentir o frio na barriga, a mão trêmula e a garganta travada. Amor era desejar que o sinal demorasse um pouco mais a bater para que eu o avistasse mesmo que de longe. Amor era ficar corada de vergonha, mas não denunciar jamais com as palavras. Quado eu tinha quinze anos, amor era apenas embrulhar o estômago por um garotinho. 

Quando fiz trinta anos, e já tinha uma casa própria, um marido encantador e um filho tão esperto quanto a mãe aos sete anos, adesivei, em cima da prateleira que suporta os meus livros, a seguinte pergunta: O que é o amor? Olhava pra frase, olhava pro meu filho, olhava pro meu marido, e lembrava da minha mãe. Amor era família. Era doar-me a ela. Querer o bem de todos antes de pensar em mim. Naquele instante, amor era compartilhar. Era sobreviver a um almoço de domingo com todos os tios, tias e primos, mesmo depois de uma semana tão conturbada. Era ligar pra minha mãe só pra dar bom dia e dizer que a amava. Amor era colocar meu filho pra dormir, ler a mesma história pela décima vez na semana. Era buscá-lo no colégio sempre com um sorriso no rosto e acordá-lo com um abraço apertado. Amor também era ser casada com o pai do meu filho. Ela abrir os olhos de manhã e agradecer por companhias tão agradáveis e sentimentos tão sinceros. Amor era ter o carinho, a cumplicidade e a paz, no meu coração, na minha vida e na minha rotina.

Hoje, aos sessenta, amor é saudade. É folhear os álbuns antigos e querer a minha mãe de volta com meus sete anos de idade. É olhar para a poltrona vazia ao meu lado e perceber que mesmo na ausência, o amor ainda vence. É receber um telefonema do meu filho em plena terça-feira só pra me desejar boa noite e dizer que amanhã precisa me ver. É abrir o portão e me deparar com uma criança correndo em minha direção, com um sorriso ingênuo e sincero, querendo brincar com a vovó. Aos sessenta anos de idade, amor é nostalgia, mas é também dever cumprido. É deitar a cabeça no travesseiro e pensar que talvez eu não tenha definido bem o amor durante toda a minha vida, mas ter a certeza que o senti das maneiras mais intensas possíveis. E ao partir, ainda arrisco dizer que amor, meu bem, não se define. Amor a gente sente. 

Dani Fechine

05 fevereiro 2014

Fica pro café?


Ei, moça, espera um pouco. Fica pro café. Eu fiz o omelete com tomate que você adora. O chocolate quente eu trouxe pra logo cedo – mais tarde te faço mais. Fica. Pode deixar a cama, assim, desarrumada, os lençóis misturados e os travesseiros jogados pelo chão. Te empresto aquela camisa branca de botão que você tanto gosta de colocar quando acorda, e nem ligo de passar frio. Desligo o despertador se você preferir. Ligo pro chefe e digo que vou me atrasar, porque a minha vida está a um passo de desmoronar caso eu bata a porta. Ele vai entender.

Te faço cafuné, penteio até o seu cabelo, e faço as tranças mais lindas. Fica que eu te conto mais uma vez como é se apaixonar todos os dias pela mesma mulher. Te compro a sua torta predileta, faço voz e violão com Something e deixo até o cachorro subir na cama e te fazer voltar a ser criança. Morena, deixa esse brilho iluminar um pouco o meu apartamento, esse cubículo que vira mundo quando você entra. Me liga dizendo que está com saudades e que não vê a hora de me encontrar, por acaso, na dobra daquele restaurante à la carte que a gente encontrou perdido nessa cidade. Me dá esse teu sorriso misterioso e me pede, mais uma vez, pra deixar a barba por fazer. Eu deixo. Até gosto. Porque esse teu olhar de que quer me beijar por isso, é uma despedida triunfal para uma noite de terça-feira.

Moça, te peço, fica. Esquece os erros de português, os verbos intransitivos e o pretérito imperfeito. Pisca os olhos com delicadeza, me sorri olhando de baixo para cima e passa a mão nos seus cabelos longos. Eu sou capaz de passar o resto da minha vida sentando, te olhando encantado. Eu também fico. Juro ouvir todos os seus causos, os seus problemas, suas histórias e desilusões. Vou te abraçar pra te proteger, vou te fazer carinho pra ver o arrepio da sua pele, e te prometo fazer da tua vida uma possível esperança de que vale a pena pisar descalço no mundo lá fora. Se você ficar pro café, te faço também no almoço o fettuccine que você gosta e ainda abro aquela garrafa de vinho guardada pra alguma data especial. Não há ocasião melhor para brindar, do que te ver ficar. Te ver tirar os chinelos, prender o cabelo com uma agilidade que só você tem e sentar no final da mesa, com um pé na cadeira e o outro riscando o chão. Agora você morde um pedaço do sanduíche e enquanto toma mais um gole do café, me olha por cima da xícara, me fazendo esquecer que eu também preciso de uma bebida quente.

Menina dos olhos que fitam, senta aqui. Lê esse livro que comprei pra você, deita na cama com as pernas entrelaçadas e ainda com a camisa que te vesti logo cedo. Fica, mas fica pra sempre. Não volta correndo arrependida. Homem que é homem tem lá suas fraquezas, e a minha é te aceitar sempre que você bate na porta com essa cara de que eu estava mesmo certo. Fica pra me dar bom dia e deixar eu te beijar na ponta do nariz quando eu virar pro lado e te ver deitada preenchendo o melhor lado da cama. Me deixa te ligar e dizer que hoje é o dia mais feliz da minha vida, porque você ficou. Moça, não corre. Descansa essas pernas, porque a maratona está chegando ao fim. Ou você corta a fita da linha de chegada ou deixa que alguém corte pra você. Vem, morena, eu estou te esperando no pódio, e o troféu é a nossa felicidade eterna, a nossa rotina nada convencional e um sorriso que abraça o teu corpo inteiro.

Moça, eu te amo tanto. Fica por isso. Fica, porque o meu amor é o suficiente pra nós dois. Eu amo por você. Amo por mim. Amor por nós. Mas fica, vai. Não limpa os pés quando entrar, nem bate mais na porta. Fica e desliga esse abajur que eu prefiro ver as curvas do seu corpo com as minhas próprias mãos. Fica e traz a tua melancolia cômica pra mudar os ares daqui. Não te peço mais que isso: fica. Sabe o que é, moça? Eu te amo tanto que fui cego até pra perceber que amor não se pede, nem se mendiga. Amor a gente sente. Mutuamente. Então, quer saber de uma coisa? Vai!

Dani Fechine