22 março 2014

Amor com Rotina


Nossa história daria um filme. Ou um livro. Não porque nos aventuramos a sair da rotina todos os dias. Pelo contrário. Amor é rotina. Daria um best-seller pela simplicidade. Pela paciência, pelo carinho e companheirismo. Daria um livro só pelo fato da gente se amar sem sair por aí pra escancarar. Nós ganharíamos o Oscar de melhor casal, de melhor beijo ficcional, da melhor cena de amor que Hollywood já viu. Eu vou escrever um livro sobre nós dois. Sobre como foi ter você todos os dias ao meu lado com esse sorriso infindo, esse olhar penetrante que não me abandona segundo sequer. Vou escrever um livro sobre a nossa história convencional, embora a mais bonita do mundo, pelo simples fatos de nós dois sermos os protagonistas.

Meu prefácio é o nosso fim. Começarei o nosso livro contando do quanto a gente foi feliz a vida inteira. Que apesares aconteceram, que tropeços também tiveram aos montes, mas que nossas mãos nunca estiveram tão firmes uma na outra. Escreverei sobre o jardim que cultivamos desde noivos e que até hoje, na velhice companheira que nos fez cada dia mais vívidos, cultivamos como nosso amor. Não posso esquecer também dos filhos lindos que tivemos. Os meninos mais lindos do mundo que tornaram-se Peter Pan nos nossos corações. Seria também uma injustiça não falar de você. De como foi bonito te ver envelhecer. Ver os seus cabelos castanhos ficarem cada dia mais claros, e por fim, brancos. Falar de como eu me sinto feliz, leve e satisfeito por ter encontrado uma pessoa tão maravilhosa, por dentro, por fora, consigo, com os outros. Alguém que segurou a minha mão até perder as forças no leito de morte. Alguém que me faz agradecer, todos os dias, por ter tido uma pessoa que amou os meus defeitos, as minhas qualidades e todo o meu esquecimento precoce de uma velhice tardia.

O capítulo um seria intitulado de 24 horas. É a quantidade de horas por dia que eu sou feliz. Que eu amo. E que eu vivo pra te fazer sorrir. É a quantidade de horas que eu me lembro de como foi encantador te ver no altar, derramando as lágrimas mais sinceras que eu já pude tocar. De como foi doce dizer um “sim”, mesmo querendo gritar “para sempre”. É a quantidade de horas por dia que eu tento voltar para o dia que nos conhecemos e reviver todo aquele instante. O momento do primeiro encontro, a sua primeira gargalhada, o primeiro abraço de proteção quando eu achei que meu mundo estivesse implodindo naquele instante e o primeiro “eu te amo” que eu ouvi e guardei dentro da caixinha de música que você me deu no primeiro ano de namoro. 24 horas é o tempo diário que eu tento te fazer feliz, porque é isso que também me faz feliz.

O segundo viria sem palavras em seu título. Em branco. Que é como eu ficava ao acordar e admirar, de perto, de muito perto, a tua nunca e alisar os teus cabelos como se todo dia fosse o último dia da minha vida. Emudecer era a minha reação a cada surpresa que você me fazia fora de hora, fora de época, sem data, sem mês, mas com amor escrito em cada canto do mundo. Além do título, poderia deixar o próprio capítulo também em branco, porque as coisas mais lindas que você me falou foram no silêncio. Na paz de espírito. No amor que a gente dividia no olhar. Tudo de mais encantador que eu ouvi e li, foi no seu piscar de olhos lentamente, um pouco cerrados e brilhando como esmeraldas.

O capítulo três é de como eu sinto a sua falta, Emma. Ele iria se chamar “Vazio”. É o que ficou da nossa casa. Da poltrona rosa ao lado da minha, da escrivaninha com todos os seus cadernos, folhas, canetas. O vazio que você deixou no jardim, entre as flores. O nada que me faz tão cheio todos os dias. Esse vazio que me faz querer sentir o teu perfume entre as rosas, que me obriga a derramar uma lágrima sempre que não te vejo mais sentada onde deveria estar. Vazio é o lado da cama que você deixou com seu cheiro e ainda com seu jeito. É a xícara de café que eu não encho mais pra te levar na cama, o almoço de natal que não faz mais sentido, e os nossos aniversários de casamento que eu comemoro sempre com uma nova carta pra você. 

E todos os outros capítulos seriam uma dessas cartas escritas nos dias 22 de abril de cada ano. Cartas que te trazem de volta por algumas horas e que me fazem sentir a ausência mais presente do que todos os dias. Cartas de amor ridículas, como diria Fernando Pessoa, porque se há amor, tem de ser ridículas. Cartas das rotinas mais apaixonantes que eu vivia, porque você sempre me dizia que amor é amar a rotina. E eu amava. Amava você e amava a rotina que você me fazia viver, crescer e ser feliz. É por isso que todas essas cartas seriam experiências simples de uma vida simples de duas pessoas simples e de um amor simples. Cartas que fizeram de mim o homem mais saudoso do mundo, com o coração nostálgico. Uma saudade que não tem fim, dos seus olhos, do seu sorriso, do seu abraço protetor e desse carinho que ninguém nunca vai encontrar igual na vida.

Escreverei um livro sobre nós dois. E ele será a minha última carta para, enfim, te encontrar novamente, onde quer que esteja. Eu prometo, Emma. É o último ato corriqueiro que nós vamos realizar juntos. O único toque de amor que nós vamos deixar na Terra. A última semente de que vale a pena ter esperança num amor tranquilo. Escreverei o nosso livro e ele se chamará Amor com Rotina.  

Dani Fechine


Citação: “As cartas de amor, se há amor, tem de ser ridículas.” Fernando Pessoa

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"Aproveita que a melhor parte é de graça e feita com mais amor do que cabe em mim." (Tati Bernardi)