02 março 2014

O que é o amor?

Quando eu tinha sete anos, aquela professora que eu chamava de tia escreveu na lousa com letras garrafais a seguinte pergunta: O que é o amor? Complexo demais para uma criança que ainda estava aprendendo a ler e escrever. O dia das mães se aproxima e essas respostas fariam parte de uma coletânea entregue a cada uma. Li devagar e transcrevi, ainda que meio rabiscado, a tal frase na folha do caderno. Eu era a última da terceira fila, ia demorar um pouco chegar a minha vez. Eu saí da Terra e viajei aos lugares mais incríveis pra tentar descobrir o que essa palavra significava. Mas foi de supetão, no ímpeto de dizer "não sei" que a resposta chegou: "Amor, professora, é quando minha mãe me pega na escola com o sorriso mais lindo do mundo. Além de amor, isso também é o meu mundo. Então essa palavra que a senhora quer saber, é o mundo que eu tenho dentro de casa. É também aquele beijo de boa noite que ela me dá depois de contar a mesma história pela décima vez na semana. E o abraço de bom dia que eu recebo também é amor."

No meu aniversário de quinze anos, o meu pai fez um discurso no qual ele repetiu a mesma frase: O que é  o amor? Retornei à minha infância, olhei pra minha mãe. A amei naquele instante como nunca. Mas não pude deixar de acrescentar em meus pensamentos aquele garoto que iria dançar a valsa comigo algumas horas mais tarde. Eu dizia que o amava. E aos 15 anos o amor era sentir o frio na barriga, a mão trêmula e a garganta travada. Amor era desejar que o sinal demorasse um pouco mais a bater para que eu o avistasse mesmo que de longe. Amor era ficar corada de vergonha, mas não denunciar jamais com as palavras. Quado eu tinha quinze anos, amor era apenas embrulhar o estômago por um garotinho. 

Quando fiz trinta anos, e já tinha uma casa própria, um marido encantador e um filho tão esperto quanto a mãe aos sete anos, adesivei, em cima da prateleira que suporta os meus livros, a seguinte pergunta: O que é o amor? Olhava pra frase, olhava pro meu filho, olhava pro meu marido, e lembrava da minha mãe. Amor era família. Era doar-me a ela. Querer o bem de todos antes de pensar em mim. Naquele instante, amor era compartilhar. Era sobreviver a um almoço de domingo com todos os tios, tias e primos, mesmo depois de uma semana tão conturbada. Era ligar pra minha mãe só pra dar bom dia e dizer que a amava. Amor era colocar meu filho pra dormir, ler a mesma história pela décima vez na semana. Era buscá-lo no colégio sempre com um sorriso no rosto e acordá-lo com um abraço apertado. Amor também era ser casada com o pai do meu filho. Ela abrir os olhos de manhã e agradecer por companhias tão agradáveis e sentimentos tão sinceros. Amor era ter o carinho, a cumplicidade e a paz, no meu coração, na minha vida e na minha rotina.

Hoje, aos sessenta, amor é saudade. É folhear os álbuns antigos e querer a minha mãe de volta com meus sete anos de idade. É olhar para a poltrona vazia ao meu lado e perceber que mesmo na ausência, o amor ainda vence. É receber um telefonema do meu filho em plena terça-feira só pra me desejar boa noite e dizer que amanhã precisa me ver. É abrir o portão e me deparar com uma criança correndo em minha direção, com um sorriso ingênuo e sincero, querendo brincar com a vovó. Aos sessenta anos de idade, amor é nostalgia, mas é também dever cumprido. É deitar a cabeça no travesseiro e pensar que talvez eu não tenha definido bem o amor durante toda a minha vida, mas ter a certeza que o senti das maneiras mais intensas possíveis. E ao partir, ainda arrisco dizer que amor, meu bem, não se define. Amor a gente sente. 

Dani Fechine

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"Aproveita que a melhor parte é de graça e feita com mais amor do que cabe em mim." (Tati Bernardi)