29 junho 2014

Quando a fuga é mal sucedida


Eu negava ser feliz, afirmava que não era, nunca foi, nunca seria amor. Mas eu me pegava reclamando sua ausência, seu carinho e a paz que você trazia. Me encontrava sentada na beira da cama com a cabeça em outro patamar, em outra dimensão, uma terra do nunca ainda desconhecida. Eu me fazia acreditar que era só ansiedade, só aperto no coração, uma inquietação natural de quem vive apressada, correndo pra tudo e de tudo. Era só uma palpitação ventricular, um espasmo. Mas de repente eu me via escrevendo sobre você, criando poemas, hai kais, sonetos e todas essas maravilhas que só saem da nossa mão em momento de insight muito forte, em emoção exacerbada ou em batalha interna com a mente e o coração. Eu já não mais me preocupava em ofender aos mestres da poesia, me sentia tão louca quanto eles, capazes de superar o próprio auto-entendimento e a singular capacidade de ultrapassar as barreiras do coração.

Eu me dizia que não não ficaria mais para o café, porque não era nada, só um incomodo no peito. Era só um ruído que meu coração fazia, provavelmente, me alertando do perigo. Mas então eu já estava sentada na cama, com aquela bandeja na minha frente, completamente impedida de reagir com uma porção de pães de queijo me esperando e uma xícara de chocolate quente me falando que só por hoje não haveria problema. Então, só dessa vez, eu fico pro café novamente. E te faço as panquecas que tanto gosta, o suco de laranja sem açúcar e o sanduíche natural que você não dispensa. Depois eu pego minhas coisas e volto a reafirmar para o meu íntimo: acabou. Te dou adeus e prometo não te fazer, sequer, um café. 

Eu garanto a mim mesmo: não é nada. Só um tic-tac fazendo sinal no coração. Só um frio na barriga, uma saudade natural de quem passou o dia juntos, um desejo qualquer de se encontrar por aí. É só uma insegurança normal de quem espera ser só flores e encontra alguns espinhos na roseira. Então eu já estou te ligando novamente, te convidando para uns goles de cerveja em qualquer lugar da cidade. Ou um vinho suave pra esquentar a noite. Depois já estou me arrumando, contornando minha boca de carmim, mas com a cara lavada de quem não vê a hora de falar algumas verdades sinceras ou de sambar sozinha, mas a dois. Por fim, já estou brindando o pedido de ser feliz para sempre, mesmo na infelicidade. 

Não há dúvidas. É apenas um espaço obstruído dentro do coração. Uma flor querendo desabrochar, mas se eu não regar, com certeza ela desfalece. É só não dar ouvidos. Deixa o coração acelerar. Ninguém morre dessas poesias humanas. É só deixar pra lá. Se não há nada, continuará sem existir. Mas então eu já estou na sua casa, conhecendo sua família, fugindo do seu cachorro e admirando, de longe, sua gata, esperando que ela não se aproxime muito de mim. Já estou ajudando a sua mãe a preparar a sobremesa e dando algumas dicas de uma moça que divide o apartamento com os livros e sobrevive como pode com o talento que não adquiriu da sua avó. Me encontro brindando com seu pai, rindo de piadas completamente sem graça, mas já imaginando um futuro, construindo, idealizando, em questão de segundos. Não é nada, só desejo de mudança. Eu garanto. 

Era só uma novidade tomando conta da minha cabeça. Me instigando a arriscar ou ser feliz. Era só um sentimento novo, indecifrável, ilegível, difícil até de sentir, e para entender, então, uma tortura. Era só isso. Nada que me impedisse de não ligar no outro dia, nada que me fizesse acreditar que havia um futuro, nada que me convencesse de que a dois era mais fácil, mais feliz, mais bonito. Quando menos espero, já estou entrando na capela. O mar brilha lá fundo e o pôr-do-sol sorrir me mostrando que é minha hora de ser feliz. Meu pai derrama algumas lágrimas. Nunca imaginou me levar até o altar. Logo eu, tão decidida de mim, tão composta de independência, de compromissos individuais, de auto-suficiência. Deslizo com uma leveza incomparável pelo tapete de pétalas vermelha. Meus olhos brilham de lágrimas. Você está lá na frente me mostrando que eu sempre estive errada. E não adiantava mais fugir. O buquê já foi lançado, o bolo partido, as taças já se cruzaram e a festa já ficou pra história. Era tão certo quanto a ressaca que me encontrei no dia seguinte: era amor. E era também paixão. Amizade. Era uma soma com um resultado ainda indecifrável, mas completamente sincero.

Dani Fechine

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"Aproveita que a melhor parte é de graça e feita com mais amor do que cabe em mim." (Tati Bernardi)