16 agosto 2014

Entre ele e a escrita


Olha só, é dia vinte e nove, e a gente não se vê há anos. Que ironia do destino a nossa de se encontrar na rua num dia memorável como esse. Um dia que já foi marcado no calendário, já foi data comemorativa, balões dentro do carro e cartões bem expressivos. Meus Deus, mas olha só... Que coincidência a nossa se bater num lugar tão bem frequentado por nós anos atrás e agora cada uma na sua vida, feliz do seu jeito, crescidos a partir dos erros e dos acertos. Vividos, também, a partir das idas e vindas, a partir das lágrimas e dos sorrisos. Que bonito, cara, que lindo ver o mundo girar, ver as coisas mudarem e perceber que nada é pra sempre. 

Olha, rapaz, sua namorada é linda, mas ela não escreve. Eu queria te dizer que não me arrependo de nada. Te larguei pra namorar com a minha liberdade criativa e olha, eu tô bem demais. Sua namorada é simpática o quanto pode, chega até a enjoar. Mas, olha só, ela tem medo de escrever algumas verdades. Não a culpo, jamais. Escrever é ter coragem, meu amigo. E eu te deixei pra expor ao mundo a minha alegria explosiva em colocar pra fora o que a imaginação grita aqui dentro. É que não dá, cara. Peço até desculpas por isso, mas não dá pra conviver com quem não se importa com a minha arte. 

Rapaz, preste atenção. Veja bem, não me peça pra voltar, não. Eu tô feliz demais com a minha imaginação exacerbada. Eu tô é muito satisfeita por estar feliz somente por escrever. Às vezes me magoa um pouco, não sai uma linha sequer, acredita? Mas é só questão de música boa aos ouvidos, uns filmes inspiradores ou alguns goles de cerveja. Um vinho até cai bem também. E aí quando aquele texto sai da gente feito um furacão, ah, você não imagina. Não imagina o quanto a gente que escreve fica em êxtase. E por dias. É uma droga alucinógena e potente demais. Impregna no nosso corpo, nos deixa vulneráveis a comentários e estamos cada vez mais buscando palavras, novos textos. Quem sabe até um livro, hein, rapaz. Você compraria, eu sei. Viria na maior cara de pau pedir dedicatória pra tua namorada, né? Te conheço, cara. Sem problemas! Tô aqui pra ser lida mesmo. 

Rapaz, já faz tantos anos, né? E a gente se encontrar logo hoje, vinte e nove. O destino é um moleque danado mesmo, viu? E eu gosto, mas gosto muito de dar umas gargalhadas com ele, por que, vá lá, só você mesmo pra me fazer escrever desse amor incontrolável, esse desejo incessante, essa loucura que consome, essa paixão milenar pela escrita. Eu troquei um amor por outro. Um homem por textos. Já pensou que loucura? Mas é porque você desleixava o que eu fazia com prazer. Assim não dava, né? Você aí, leitor, pense bem antes de namorar uma escritora. Na primeira banalizada sua a um texto dela, já era. Esqueça o casal. Ela vai pensar em te deixar. Pra mulher que escreve os seus textos são pedaços dela mesma. É como arrancar lá de dentro cada pedacinho que incomoda ou que grita para ser repaginado.

Você, por exemplo, foi repaginado dos pés a cabeça. Te remodelei, recriei e reinventei um cara que bem que poderia ter existido. E sabe o melhor? Você nem percebeu. Nem os outros. Dizem que os sonhos são desejos reprimidos, né? Lembro que você dizia isso quando narrava minhas viagens noturnas. Pois pego essa gancho e digo logo que os textos são personagens misturados. João não é só João e Maria não é só Maria. Em João existe José, que existe Matheus, que existe Lucas e por aí vai. Em Maria existe todo um desejo pessoal, toda uma expectativa feminina ou experiências de Ana, de Helena, de Tereza. A gente nunca tá sozinho quando escreve. 

Hoje eu tô aqui sem norma culta e sem gramática pra te falar da maneira mais simples que existe no português que a minha arte, que eu chamo de escrita, é primeiríssimo lugar na minha vida. Rapaz, presta muito atenção no que eu vou dizer: para uma mulher que escreve, o seu trabalho são as letras. Não menospreze, não desdenhe, não desfavoreça. Eu te garanto uma coisa, cara, a escrita é mais importante que você. Seja coerente, admire-a. Ela tem verdade. E você só confirmou isso hoje quando ela te virou as costas e saiu com a sacola da livraria, enquanto você dava as mãos a alguém que te largaria por outro homem nunca por ela mesma. 

Dani Fechine


Um recadinho da autora: Esse texto deveria ser lido com uma entonação diferente. Talvez alguns não encontrem a maneira que eu idealizei ao escrevê-lo, um jeito descontraído, despreocupado. Mas ele está aí pra ser ligo como bem entenderem. Sintam-se à vontade!

11 agosto 2014

Não escolher, mas ser escolhida


Era isso que faltava na vida dela: ser escolhida. Parar de classificar os homens e de colocá-los numa tabela imaginária, cortando qualidades incompatíveis e defeitos indesejados de cada um. Até que algum, vá lá, pelo menos um seria capaz de ficar, de fazê-la feliz. Mas não! Nunca restava. Todos seriam protagonistas de um romance com término marcado. Na cabeça dessa moça, desde o primeiro encontro, já rondava a ideia fixa de “não vai dar certo”. Mas não custava nada tentar. 

Para essa moça faltava existir uma variedade menor. Se ela queria sair da zona de solteira que rondava sua vida há alguns anos, ela precisava não ter que escolher. Precisa se apaixonar à primeira vista, mesmo não acreditando, mesmo isso sendo impossível aos seus olhos racionais de quem não ama quase nunca. Ela precisava se entregar. Depositar seus primeiros sentimentos no cara e deixá-lo decidir: é ela ou não? Para essa moça, era necessário sofrer um pouquinho por antecipação. 

Os tempos precisavam se bater. Se ela sentiu uma aceleração maior no coração, uma sequer, ele precisava sentir também. Esperar muito nunca foi a arte dela. Nem para um jantar, nem para passar algumas vidas juntos. Se ela ama, precisa ser agora. Precisa ser pra já. Não dá pra deixar esfriar o que no calor dos sentimentos pode ser bem melhor. Para essa moça, era importante amar primeiro. Mas, principalmente, não deixar de ser amada logo em seguida. 

Pra ela não tem essa de procurar o amor naquele relacionamento. Ou ela te ama e te fala isso sem medo – embora não tenha esse costume, e vale lembrar que isso são 10 pontos a mais na sua conta – ou ela te espera e confirma a certeza de que não, não vai dar certo mesmo. Para essa moça, a certeza no coração é infalível. Seja para o lado positivo ou negativo. Sentir a sensação de para sempre é ter a confirmação de que é ele. É ele o cara que lhe faltava durante esses 25 anos. É ele que vai ouvir o seu “eu te amo” que ela guardou uma vida inteira. É ele que vai receber os seus carinhos que tanto reprimiu. É ele que vai conhecer o seu lado mulher, enquanto a pessoa insensível que ela era se esconde mais uma vez nos seus caderninhos. 

Para essa moça é mesmo muito difícil amar. Relacionar-se com alguém é uma prova de fogo fácil de ser superada. É preciso compatibilidade de tempos. De certezas. De confirmações. De sinais. De saberes. Não é preciso ser igual a ela. Jamais esse foi um requisito. Mas para essa moça, para um relacionamento sair do vago para o sério é preciso apenas dela. É necessário, e disso ela tem certeza, de que ela sofra um pouco. Mas sofra por uma boa causa. E que essa causa seja amor. E que parta dela primeiramente. Mas que seja correspondido. Que os dois tenham nascido para se encontrarem e se esbarrarem por aí como Guido e Pricipessa. E que os obstáculos estejam aí, mas que eles tenham a certeza do tal “valeu a pena”, quando tudo desmoronar e cair por terra.

Para essa moça, antes de tudo, é preciso viver. É preciso aproveitar esse momento que sabe-se lá quando vai acontecer de novo. É preciso acreditar e ter simplicidade pra fazer florescer o que nem com muita água e sol foi capaz de brotar. Para essa moça, é de uma necessidade infinda o amor próprio. E o amor primeiro. Não sabe o que é? Eu explico. Para essa moça, é de fundamental importância que ela ame. E quem em seguida ele a ame igualmente. O inverso pode ser um perigo. Não queira arriscar. Essa moça sabe de tudo isso, mas continua tentando. Tentando fazer com que um dia toda essa matemática mal feita se desfaça e a torne capaz de amar sem necessariamente 1+1 ser igual a dois. 

Dani Fechine