31 março 2015

Alícia


“Desisto de ser feliz”. Foi pronunciando essa frase que Alícia entendeu o quanto é fácil desistir de qualquer coisa, mas também o quanto dói querer desistir da própria felicidade. Percebeu de imediato o quanto a frase, ainda que dita mentalmente, podia destruir seu coração. E o quanto, também, não queria dizer aquilo. Mas estava infeliz e disso Alícia não tinha dúvidas.

O noivado já não lhe trazia os mesmos risos leves de antes. Sentia-se presa na sua tentativa de ser feliz simplesmente por ter alguém ao seu lado que a fizesse sentir única e admirável. O noivado não lhe trouxera os desejos que havia feito na juventude. Sentia-se só, mesmo com ele ao lado. E, ainda pior, sentia-se incapaz de ser compreendida. Evitava a fadiga e se apegava ao silêncio. Ela fala como ninguém sem pronunciar uma única palavra. Gritava por dentro. Derretia-se em lágrimas quando dava. Mas não se conformava: não podia ser infeliz. 

Seu emprego não lhe deixava entusiasmada. Esquecera o sonho profissional com tantos desencontros na carreira que escolheu. Não podia, mas não podia de maneira nenhuma permanecer o resto da vida num lugar que não lhe trouxesse sequer um sorriso por dia. Precisava gargalhar e ali não conseguia mais. Queria sair de casa sabendo que encontraria no outro lado da cidade a realização do que seria a profissão da sua vida. Mas até nisso não era contente. 

Ela mesma já não se fazia feliz há meses. Gorda ou magra, não importava, poderia ter o corpo de Gisele Bündchen, a boca de Angelina Jolie e os cabelos escorridos de Cameron Diaz. Estaria infeliz, porque sabe que não é seu corpo que devolverá os seus sorrisos. É a sintonia dele com sua alma. Alicia não gostava mais do espelho. Com um rabo de cavalo simples no cabelo ia pra qualquer lugar. A calça rasgada fazia companhia ao blusão. Abandonara o carmim e o rímel.

Alícia precisava desistir. Mas desistir de boicotar a própria felicidade. Era seguir em frente de cabeça erguida que a faria sorrir da vida que tem. Se não está feliz, tenta. Para. Pensa em si. “O que é melhor pra você, Alícia?” Ouvia diariamente do amigo que contratara para ser seu fiel conselheiro: o papel. De tanto escrever, entendeu. 

Entendeu que a sua vida era ela mesma que pintava. E era ela, também, que escolhia se seria feliz ou não. Alícia demorou, mas entendeu que não adiantava sentar na cama e pensar no porquê. Era preciso fazer melhor: levantar da cama e falar “por que não?” E assim o fez. Acordou querendo conquistar o mundo. E conquistou. Conquistou o seu próprio mundo. Entregou a si mesma o presente de viver uma vida satisfatória e largou tudo que lhe fazia enterrar-se num mundo sem cor e sem graça.

Do preto e branco que pintava a vida, só ficaram as roupas em dois tons que não largava por nada. De resto, resolveu pegar do arco-íris todas as cores e salpicar em sua rotina todas elas numa mistura clara. E bonita. Do que deixou pra trás, não nos diz respeito. Se continua tentando ser feliz no seu relacionamento, também é uma questão que só Alícia deve tratar. Se largou o emprego, não importa. O que vale narrar e escrever é que Alícia resolveu acordar do pesadelo de que a vida é do jeito que lhe entregam e que nada mais se pode fazer. O que importa mesmo, o que vale, é que a gente tem a vida que a gente quer. E se a felicidade for cláusula obrigatória, é assim que ela vai ser: feliz. Chega de reclamar, Alícia agora vive. 

Dani Fechine